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A Bolívia e sua Literatura (7): Alcira Cardona e Mary Landivar

Poetisa, escritora e jornalista boliviana, Alcira Cardona Torrico (1926- 2003) voltou seu interesse literário para o sofrimento dos mineiros de seu país, construindo uma obra de viés social inquietante. Sua lírica, refletindo sobre a construção ficcional da realidade imediata – o poema social – traz um eu-lírico em busca de revelar ao leitor o que acontece ao poeta quando este olha ao seu redor e testemunha o que acontece. A relação poeta-po­eta, poeta-linguagem e poeta-leitor, enquanto correspondência existente entre poesia e realida­de, promovendo o dialogismo de sua obra com a de outros poetas que também tratam de conflitos oriundos da busca de diferentes formas de dizer, e pensar, o que está acontecendo. A poesia social de Cardona, e a noção que ela tem de autor, ao pontuar a introspecção do eu-lírico, as persona­gens e seus monólogos dramáticos e o eu-lírico e seus interlocutores, enquanto relações passíveis de serem encontradas em sua obra, mostra como o eu lírico se configura entre estranhos, como fala do outro e como a este resiste.

Reconhecida ainda bem jovem, Cardona foi premiada por um conjunto de seis poemas, publicados, posteriormente, na obra “Rayo y Simiente” (1960). Em 1967, publica seu livro “Tormenta en el Ande” que inclui o famoso, e extenso, poema “Temática del Mar”, também apresentado individualmente, como os de sua juventude. Membro da 2ª Geração do grupo intelectual “Gesta Bárbara”, movimento cultural revolucionário fundado em 1918, que reunia integrantes de 17 a 28 anos interessados na construção de dias melhores e mais adequados ao desenvolvimento do país, Cardona deixou vários artigos e poemas dispersos em jornais e revistas, como, por exemplo, em “Khana”, “Signo” e “Presencia literaria”. Diretora reconhecida de órgãos culturais de seu país, como a Alcaldía de La Paz (1961), a Prefectura paceña (1985) e o Instituto de Investigaciones Históricas y Culturales, a autora trabalhou nas revistas lite­rárias ‘Formas’ e ‘Hoyandina’, dirigiu o projeto de publicação da vida e obra do Marechal Andrés de Santa Cruz (sétimo presidente do Peru), realizou honras fúnebres para Franz Tamayo e Oscar Cer­ruto (também autores bolivianos), trocou cartas públicas com diversas figuras do âmbito cultural latino-americano, publicando, na revista “Khana”, o artigo “Positivismo Generacional de Gesta Bár­bara”, no qual deu destaque aos vários escritores que integraram o movimento, e suas respectivas preocupações. Em 1976, na revista “Presencia”, seu artigo “Lo social en la literatura” buscou caracterizar a poesia social em três formas: poesia atuante, poesia de investigação da relação com o outro e poesia como uma nova forma de contar a historia, além de ma­nifestar preocupação pelo esquecimento do público para com o teatro de então.

Estudiosos de sua obra afirmam que, para Cardona, o poeta está imerso na realidade em que vive, o que torna sua escrita espontânea e intuitiva. Um arte­são a mostrar, invocar, irromper e criar um torvelinho de vozes que acusam, invocam e evocam o bem e o mal dos homens, seja por ele mesmo, seja pelos demais. Um poema de Cardona? O poema autobiográfico “Apóstro­fe”. “Leia-me quando queimam suas entranhas na noite do terror, quando você sente em seus ombros a viga que eles carregaram para escravos. Não como mãe, com filhos, como esposa, que você me procura; leia-me chorando que há tédio e raiva em meu ser. E medo, de usar essa cara ruim grudada até o fim dos tempos. Então minha voz vai ficar áspera, meus pés de fogo sem tempo para ver, sem silêncio para sentir e entender o ritmo de tudo o que existe e o que acontece, o que vem girando em olheiras para o cérebro do mal”. Um estado de espírito que chega, posteriormente, na poesia social de outra escritora boliviana, Mary Monje Landivar (1936-2004), em “Tienes que oírme”: “Você sabe? / Eu sou um mineiro / um ser que nasce, / cresce, / se alimenta, / se reproduz e morre, / que às vezes matam quando grito a minha fome.”

Em ambas, uma poesia de denúncia da passividade e indiferença do cruel compatriota que, como muitos empresários que só miram no progresso, expõem o mineiro a condições miseráveis de trabalho por anos, criando, no povo, uma falsa ilusão de progresso. Obras de Cardona: “Carcajada de estaño y otros poemas” (1949); “Rayo y simiente” (1961); “Temática del mar” (1967); “Tormenta en el Ande” (1967); “Letanía de las moscas”, obra teatral (1985) e “Los tres créditos”.

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