A atual edição do Brasileirão tem até o momento o menor número de trocas de técnico dos últimos dez anos, igualando a temporada de 2012. Foram 19 alterações de comando, bem abaixo das 27 registradas na última disputa. A queda pode estar diretamente relacionada à regra implementada pela CBF para esta edição que limita a troca de treinadores, apesar da utilização do comum acordo ter facilitado o caminho para mudanças no comando. Outra explicação pode ser a falta de dinheiro dos clubes durante a pandemia, assim como a safra ruim de ‘professores’ no mercado.
Segundo a nova regulamentação, o clube que demitir o técnico poderá inscrever apenas mais um treinador durante a competição. Em caso de segunda demissão, o substituto precisará ter pelo menos seis meses no clube. Caso o próprio técnico peça para deixar o comando do time, o clube em questão não sofre com limitação para trocar de comando e escolher outro profissional para o cargo. No caso dos treinadores, eles só poderão se demitir em uma oportunidade. Se pedir demissão mais uma vez, ele fica impossibilitado de treinar outra agremiação durante a disputa daquela competição.
A regra que limita o troca-troca de técnicos também está em vigor na Série B do Campeonato Brasileiro, que já registrou 23 mudanças no comando, menor marca desde 2016. Na última temporada, foram 30 alternâncias durante a disputa. Tanto na Série A quanto a Série B contam com 20 clubes cada.
O técnico Eduardo Barroca, que deixou o comando do Atlético-GO no fim de setembro em comum acordo com a diretoria, defendeu a implementação da regra no futebol brasileiro, mas ressaltou a importância dos critérios de treinadores e clubes na hora de escolherem um novo trabalho. “Ela obriga o empregador a fazer um processo seletivo mais coerente para definir o seu profissional e vice-versa, mas eu também defendo a liberdade de escolha, desde que se cumpram os compromissos. Agora no Atlético-GO, debatemos em alto nível e conversamos realmente em comum acordo que o trabalho não deveria seguir porque não prosperaria dessa forma”.
Apesar da experiência de Barroca em Goiás, alguns clubes e técnicos têm se utilizado do “comum acordo” para driblar a regra e escapar das limitações de troca impostas pela CBF. Estão se valendo de um ‘jeitinho’ brasileiro. O técnico Jair Ventura, demitido da Chapecoense em agosto após dois meses no cargo e agora treinador do Juventude, disse ser favorável à nova regra, mas destaca que apresenta falhas e brechas.
“Tive a possibilidade de sair em comum acordo da Chapecoense e não aceitei. Estamos no primeiro ano (da regra). Pode haver coisas a ajustar. Quando há a limitação da troca de técnico, há mais tempo para ele trabalhar e para os jogadores assimilarem suas ideias”, contou ao Estadão no início de outubro.
O presidente da Federação Brasileira de Treinadores de Futebol (FBTF), Zé Mário Barros, acredita que o futebol brasileiro ainda vai se adaptar à nova determinação. “A continuidade é muito importante no futebol. Chegamos à conclusão de que se puder evitar o ‘comum acordo’ é muito bom, mas tem alguns casos que abrimos mão e tentamos entender a situação de cada um. No futuro bem próximo, as coisas vão se acomodar. Os dirigentes vão escolher melhor os treinadores, pensando nas características do time que ele tem no clube”, avalia.
Apenas cinco dos 20 times da Série A não trocaram de técnico na atual edição do Brasileirão: Atlético Mineiro (Cuca), Corinthians (Sylvinho), Fortaleza (Juan Pablo Vojvoda), Palmeiras (Abel Ferreira) e Red Bull Bragantino (Maurício Barbieri). Só Abel e Barbieri estão há mais de um ano em seus respectivos clubes. O palmeirense completou o prazo recentemente, com direito a festa e bolo na Academia.
América-MG, Bahia e Grêmio foram as únicas equipes que trocaram de treinador mais de uma vez. O time de Minas Gerais começou o torneio com Lisca, mudou para Mancini e agora tem Marquinhos Santos no comando. A equipe baiana, agora comandada por Guto Ferreira, chegou a ter Dado Cavalcanti e o argentino Diego Dabove como técnicos. Já o Tricolor Gaúcho iniciou sua trajetória na competição com Tiago Nunes, que acabou substituído por Felipão e, hoje, conta com Mancini, que estava com o América
Sem dinheiro
A temporada de portões fechados nos estádios também ajudou o dirigente a pensar com o ‘bolso’, ou pelo menos a pensar duas vezes antes de optar pela demissão. Sem o dinheiro das bilheterias, dos programas de sócio-torcedor e do matchday, os clubes perderam receitas. Era possível para muitos deles arrecadar cerca de R$ 10 milhões por mês com o torcedor. Sem ele, esse dinheiro sumiu – os públicos voltaram aos estádios em outubro. A maioria dos treinadores coloca no contrato multas rescisórias em caso de demissão unilateral. Hernán Crespo, por exemplo, deveria receber US$ 700 mil do São Paulo. Isso daria R$ 4 milhões.
Há ainda a falta de opções no mercado. Muitos treinadores estão desgastados e não são vistos como opções pelos dirigentes. Há profissionais em formação e alguns mais veteranos nessa condição O futebol brasileiro ainda se vale de estrangeiros para o posto.