O relatório final da CPI da Pandemia sugere que Jair Bolsonaro seja indiciado pelo conjunto de dez crimes. O documento foi alterado na reta final para retirar a conclusão de que o presidente também teria cometido genocídio contra as populações indígenas e homicídio qualificado. A versão final do relatório propõe que ele seja responsabilizado.
Os delitos são epidemia com resultado morte; crimes de responsabilidade por proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo; crime de responsabilidade pela violação de direito social; infração de medida sanitária preventiva; charlatanismo; incitação ao crime; falsificação de documento particular; emprego irregular de verbas públicas; prevaricação; e crimes contra a humanidade nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos.
Ao todo, somando as penas máximas para os crimes previstos no Código Penal Brasileiro imputados a Bolsonaro, a punição pode chegar a 38 anos e nove meses de prisão. Mas o parecer recomenda que o presidente responda ainda por crimes contra a humanidade, previstos pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, acolhido pela legislação brasileira em 2002. Neste caso, o julgamento pode ser feito pelo TPI, em Haia.
As conclusões serão encaminhadas aos órgãos de controle, que poderão abrir processos sobre os supostos crimes apontados. O parecer final tem 1.060 páginas e pediu indiciamentos envolvendo 68 pessoas e empresas. A retirada dos pedidos de indiciamento contra Bolsonaro pelos crimes de genocídio contra as populações indígenas e homicídio qualificado foi acertada após essas conclusões gerarem divergências no grupo majoritário da CPI.
O relatório propõe o indiciamento dos três filhos do presidente Jair Bolsonaro que seguiram carreira política: o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos). Na conclusão de Renan Calheiros, todos cometeram o crime de incitação ao crime, previsto no Código Penal.
Pela lei, a infração tem pena de detenção, de três a seis meses, ou multa. O suposto crime também foi incluído nas sugestões de indiciamento do presidente Bolsonaro. “Intencionais, os atos que promovem informações falsas e estimulam a infração de medidas sanitárias preventivas (conduta considerada crime) decretadas durante a pandemia ferem o artigo 286 do Código Penal, incitação ao crime”, diz.
“O resultado dessas ações é colocar em risco a vida de milhares de brasileiros e brasileiras”, afirma o relator. Na lista também estão quatro ministros: Marcelo Queiroga (Saúde), Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência), Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União) e Walter Braga Netto (Defesa). Constam ainda, entre as sugestões de indiciamento, os ex-ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Eduardo Pazuello (Saúde).
Entre os parlamentares, a lista traz os deputados federais Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, Osmar Terra (MDB-RS), Carla Zambelli (PSL-SP), Bia Kicis (PSL-DF) e Carlos Jordy (PSL-RJ). Também figuram no rol de pedidos de indiciamentos Luciano Hang, Otávio Fakhoury, Carlos Wizard, além da médica Nise Yamaguchi e do virologista Paolo Zanotto, todos nomes apontados como sendo de integrantes de um gabinete paralelo de aconselhamento do presidente na pandemia.
As mudanças nos tipos penais, decididas em reunião do “G-7” na noite de terça-feira (19), na casa do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), fizeram com que o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Augusto Xavier, e o secretário especial de Saúde Indígena, Robson da Silva, ficassem fora da lista final de pedidos de indiciamento. Um terceiro nome que foi retirado dessa lista é o do pastor Silas Malafaia, que havia sido incluído no relatório pela propagação de fake news.
Ontem, antes do início da leitura do relatório, durante agenda na cidade de Russas, no Ceará, o presidente Bolsonaro disse “não ter culpa de nada” e criticou os trabalhos da CPI. Segundo o presidente, os senadores do colegiado “nada produziram a não ser ódio e rancor”. Porém, profissionais das áreas médica e científica reclamam que o presidente desdenhou da covid-19 ao chamá-la de “gripezinha”, nunca seguiu as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de seus vários ministros da Saúde sobre o uso de máscara e o distanciamento social e recusou-se a tomar a vacina.
O parecer final da CPI tem uma parte dedicada à sugestão de 16 propostas legislativas, além de uma proposta de emenda à Constituição (PEC). Uma delas trata da criação de uma pensão especial para os órfãos da covid-19 até 21 anos de idade. Há ainda projetos que pretendem criminalizar o combate da produção e divulgação de notícias falsas, especialmente as que envolvam temas ligados à saúde pública. A base governista diz que a comissão é política e refuta as acusações. Alguns dos citados prometem processar Renan Calheiros por calúnia.