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O rato

Entrou despreocupado na cozinha e então o viu. Era um rato grande, cinza azulado. Surpreso e cheio de repug­nância, o homem observou o pequeno animal deslizar da bancada das frutas e se esconder, célere, no vão da máqui­na de lavar pratos. Havia comido um pedaço da banana maçã. Há quanto tempo não via um rato dentro de sua casa! Havia mudado para bem longe o local onde alimen­tava os inúmeros pássaros da chácara, para evitar o roedor. Despertam-se nele os ascos e medos ancestrais. Pensou nas pestes que o pequeno animal havia causado na humanida­de, que perigo trazia. E bem dentro de sua cozinha.

Mandou trazer as ratoeiras da casa. A pequena, de guilhotina, estava toda enferrujada, mostrando o seu longo desuso. A de armadilha apresentava-se em melhor situação. Ansiava pela noite a chegar para espalhá-las pela cozinha. Lembrou-se de que rato gosta de queijo, ainda mais se chamuscado. O manuseio da ratoeira de armadilha foi fácil, pois bastava introduzir o pedaço da isca já ligei­ramente queimada e colocá-la em lugar estratégico. Já a ratoeira de guilhotina foi mais difícil. E se se ferisse ao ar­má-la? Estava toda enferrujada. Que medo do tétano! Com cuidado, entretanto, colocou o queijo e armou a pequena mensageira da morte. Fechou as portas todas, para que a cozinha se transformasse numa câmara de caça.

De manhã, logo cedo, dirigiu-se à cozinha para ver o resultado da caçada. E viu, frustrado, que o queijo havia desaparecido da pequena ratoeira de guilhotina, mas a mesma não se desarmara. A de armadilha jazia intacta no local deixado. Ponto para o roedor, aumento da preocupa­ção com a saúde. A cozinheira da casa, mais para amiga do que serviçal, anunciou a existência de um papel pega rato, superfície aderente que seria tiro e queda. E se apressou em adquiri-lo.

Chegada a noite, nova expectativa. Abriu as embala­gens dos pega-ratos com cuidado e desdobrou as duas folhas aderentes, que formavam como que uma capa. Não foi fácil. A cola que as unia era forte e foi preciso muita força para liberar uma da outra. Colocou no meio da superfície pegajosa um pedaço de queijo. Armou duas, por via das dúvidas e as colocou no caminho que achava que o rato iria percorrer. Fechou tudo outra vez, esperançoso de que a manhã trouxesse o rato preso na armadilha mais moderna.

O dia nasceu surpreendentemente frio. O termômetro de máximas e mínimas apontava dois graus para a madru­gada. Abriu com cuidado a porta da cozinha para desco­brir, mais uma vez decepcionado, que o queijo de uma das armadilhas havia sumido, mas nada do rato. Passou o dia maquinando o que fazer. Até que chegou a tardinha e resolveu tentar uma vez mais. Recolocou as armadilhas, fechou a porta da cozinha, descrente do resultado.

No silêncio da casa, ouviu um barulho vindo da cozi­nha. Abriu a porta e lá estava, debatendo-se na cola, o rato azul cinzento. Grande, com rabo enorme, olhos assustados. Quanto mais se debatia, mais era preso pela substância grudenta. Quando pressentiu o homem, parou de se deba­ter, como se a imobilidade enganasse seu inimigo. Mas ele se aproximava, de vassoura em punho. Por dentro, debatia­-se entre a necessidade de matar o animal e o respeito pelo adversário valente. Seus olhos como que se encontraram e o homem então desferiu o golpe fatal. Um guincho baixo foi a única coisa que o rato conseguiu produzir antes de morrer. O homem apagou as luzes e foi dormir sossegado, deixando o rato morto preso na armadilha para se descar­tado ao amanhecer.

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