A síndrome de cachorro vira-lata, que Nelson Rodrigues explicitou em 1950, começou a se dissipar quando os brasileiros mostraram sua capacidade e tenacidade na construção da moderna cidade de Brasília, para ser a capital federal. Foram tempos em que os sonhos da população pobre, de ter uma vida digna, finalmente haviam chegado, na música, nas artes e nos esportes passamos a figurar nas manchetes internacionais – finalmente o País do futuro havia chegado. Mesmo sendo algo ilusório, a felicidade faz parte da caminhada humana sobre a Terra. A felicidade, mesmo sendo desejada por muitos, só é permitida para poucos, e como aquele momento era de felicidade para muitos, essa felicidade foi dissipada na escuridão de uma ditadura militar.
Os sofismas e sortilégios que acompanham os regimes de exceção conseguem enganar boa parte da população: “Pode-se enganar a todos por algum tempo; enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos todo o tempo”. (Abraham Lincoln). Em 1984, após vinte anos de ditadura militar, a população brasileira foi em massa para as ruas para pedir o direito de eleger o seu presidente, este movimento ficou conhecido como Diretas Já, mas graças à covardia dos deputados governistas, a Emenda Constitucional foi rejeitada, e o sonho foi adiado. A Promulgação da nova Constituição em 1988 tentou materializar os sonhos da maioria dos brasileiros, no entanto a tal felicidade que parecia que havia chegado se transformou apenas em um sonho que foi sonhado.
O ser humano é considerado um ser racional, mas é na sua racionalidade que se explicita a sua crueldade. O ser humano é o único animal que tortura, maltrata e mata o seu semelhante, e faz isso com prazer escorado no fundamentalismo religioso, e em um deus que criou para convalidar as suas atitudes, e toda vez que os sonhos, que trazem a felicidade se aproximam das pessoas pobres usam práticas da Idade Média para fazer valer os seus pensamentos segregadores. Confúcio (551. a.C) afirmou: “Se queres prever o futuro, estuda o passado”, e como não conhecemos a nossa história cometemos os mesmos erros todo o tempo.
Se Jesus Cristo voltasse à Terra e se ancorasse no Brasil, não iria entender como a sua filosofia e seus ensinamentos, que exalta o amor, na boca dos que se intitulam cristãos viraram ódio e perseguição explícita, e dentro deste ambiente de trevas suas palavras não encontrariam guarida, e novamente seria crucificado. A história mostra que o sofrimento é a principal doutrina dos fundamentalistas religiosos, pois segundo seus ensinamentos só o sofrimento engrandece, e a felicidade só acontece em outro mundo.
Os depoimentos de empresários ricos e cristãos na CPI da pandemia mostram que no Brasil não tem uma elite, pois elite seria a nata das virtudes pessoais, o que temos são filhotes do coronelismo escravocrata, que construíram suas riquezas, com o apoio das religiões, da exploração dos pobres promovendo a segregação social, e como só pensam em cifrões, não permitem que classe trabalhadora tenha autonomia, pois assim a exploração pode continuar eternamente.
Há menos de duas décadas, a população pobre do Brasil achava que a sua vez havia chegado, pois tinha a mesa farta, e podia até viajar de avião, e agora neste governo de criminosos ligado às milícias urbanas e rurais, que evoca Deus o tempo todo, os pobres voltaram à condição miserável, como viviam há um século, ver pessoas que vivem na segunda maior cidade brasileira disputando pedaços de ossos na carroceria de um caminhão é o máximo da degeneração da pessoa humana – Brasil, país do sortilégio! Como dizem os versos de Caetano & Gil: “Pense no Haiti, Reze pelo Haiti, O Haiti é aqui, o Haiti…”.