Tem sido o medo uma das reações psicológicas mais frequentes na população em geral durante a pandemia da Covid-19. Esta reação é compreensível, pois, as pessoas, independente das condições que vivem, estão sempre preocupadas com a própria saúde. Medo tem sido comumente definido como um estado emocional desprazeroso, disparado pela percepção de um estímulo ameaçador. Em contextos como o da Covid-19, e suas consequências na saúde física e mental, pode ser benéfico ou prejudicial. Por quê? Pelo fato de, experenciar medo poder aumentar a percepção de risco do ser, promovendo comportamentos protetivos, tais como, lavar as mãos, manter distanciamento físico e usar máscara, entre outros. No caso da Covid-19, percebê-la como evento ameaçador pode atuar como fator motivacional para desempenhar um comportamento que facilite a prevenção da infecção pela mesma. Por outro lado, o medo pode levar a resultados catastróficos, pois níveis elevados de medo podem deixar os indivíduos sem pensar racionalmente quando reagindo a problemas ocasionados pela pandemia.
O medo também pode ser um ingrediente para aumentar a discriminação e a estigmatização em direção a algumas pessoas. Um exemplo? Esses dois padrões de comportamento aumentaram em relação aos chineses quando outras populações entenderam que eles eram responsáveis, desde Wuhan, pela origem e disseminação da Covid-19. Nesse sentido, o medo é um ingrediente-chave para racismo e xenofobia em direção a alguns segmentos sociais. Medo também aumenta o risco de suicídios, sendo associado a altos níveis de ansiedade na população em geral e nos profissionais de saúde, bem como, desencadeador de agressividade e depressão.
Considerando a saliência da resposta psicológica de medo na população de Cuba, Broche-Pérez et al (International Journal of Mental Health and Addiction, June, 2020) elaboraram um estudo que teve, como primeiro objetivo, comparar o medo da Covid-19 entre sexos e, como segundo, se as diferenças entre sexo fatores sociais poderiam ser preditores dos escores de medo da Covid-19. Um total de 786 participantes completaram um questionário que foi distribuído online no período de 04 de abril a 27 de maio de 2020. A idade média dos participantes foi de 36 anos, cuja amplitude variou de 18 a 82 anos, sendo 73,7% mulheres e 26,3% homens. Ademais, um total de 66,7% dos participantes viviam em áreas onde havia casos confirmados de Covid-19. Por outro lado, 78,8% dos participantes não tiveram contato direto com qualquer paciente infectado com a doença, enquanto 5,3% dos participantes tiveram um parente próximo, ou amigo, com resultado positivo à Covid-19.
Todos os participantes indicaram seu nível de concordância na escala de medo da Covid-19 com afirmações, usando cinco categorias de respostas, a saber: discordava fortemente; discordava; nem concorda nem discora; concordava; e discordava fortemente. Como a escala de medo era composta por cinco itens, a pontuação total da mesma variava de 7 a 35, de forma que, quanto mais alta a pontuação, mais alto era o medo da Covid-19. Os resultados mostraram, em média, que as mulheres experenciaram significativamente maior medo da Covid-19 do que os homens. As diferenças foram encontradas em todos os itens, incluindo um escore total, exceto para o item 3 da escala de medo. Também, um total de 27,5% dos participantes mostraram baixos níveis de medo da Covid-19, 49,7% indicaram níveis moderados de medo e 22,7% indicaram níveis elevados de medo.
Tomados juntos, o sexo dos participantes conseguiu prever, significativamente, o nível de medo dos mesmos em relação à Covid-19. Ser do sexo feminino foi um preditor de níveis médio e elevado de medo em relação à infecção pela doença. O risco de uma mulher com níveis médios de medo comparado a níveis mais baixos de medo foi 3,13 vezes mais elevado do que para os homens, e o risco de uma mulher, com alto nível de medo, comparado a um baixo nível de medo, foi 3,45 vezes maior do que para um homem. O fato de as mulheres demonstrarem ter mais medo da Covid-19 do que os homens pode estar relacionado a vários fatores, alguns imediatos e outros de longa duração. O medo podendo resultar do fato de as mulheres anteciparem, em maior extensão, o impacto negativo da doença sobre a sua própria saúde e a de amigos e familiares íntimos. Por adição, o fechamento das escolas, e dos centros de cuidados a vulneráveis, podem ter aumentado, intensamente, a necessidade de cuidados das crianças que, por sua vez, teve um grande impacto nas mães trabalhadoras.
O estudo, portanto, sugere que, pertencer ao sexo feminino é um preditor para experenciar níveis médios a moderados de medo da Covid-19, o que, portanto, aponta para a necessidade de intervenções serem planejadas visando a redução do impacto negativo do surto pandêmico na saúde mental das mulheres. Torna-se, também, importante monitorar, continuamente, as reações psicológicas das mulheres durante e após a pandemia.