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Ainda o Borba Gato

Há alguns dias, escrevi sobrea polêmica do ataque-denúncia que o grupo Revolução Periférica fez ao monumento do bandeirante Borba Gato. Inte­ressante acompanhar os seus desdobramentos, principalmente a reação do aparato judicial do Estado com processos e prisões. São bastante reveladores, além de demonstrar, como faz Leonardo Sacramento, a cadeia genealógica que liga os carniceiros do início da colonização do Brasil aos que detém o poder na atualidade. Interessante como o “vandalismo” desperta reação de parte das elites atuais na defesa dos seus monumentos-símbolos.

Volto hoje ao assunto para concordar com o jornalista Eduardo Bueno, que cobra um conhecimento maior de certos personagens da História, até mesmo para justificar a denúncia contra eles. Afinal, não podemos derrubar estátuas sem saber o que elas são. Não basta saber o que significam. Aí, entra o papel extremamente pedagógico da História como ciência. Por conta disso, gostaria de fazer algumas achegas a este personagem ainda pouco conhecido e que despertou, agora, tantas paixões. De fato, Manoel de Borba Gato não se envolveu diretamente na caça ao índio. Mas…

Ele foi casado com Maria Leite, filha de outro bandeirante famoso, Fernão Dias Paes e sua esposa Maria Beting. Este, sim, participou ou foi responsável por várias expedições, que aprisionaram milhares de indígenas, trazidos para o trabalho escravo na capitania de São Paulo e vendidos para outros pontos do litoral brasileiro. Fernão Dias agiu diretamente na destrui­ção de várias missões indígenas dos jesuítas espanhóis no sul do Brasil e no atual Uruguai. Defendeu a expulsão dos mesmos padres de São Paulo, por estes não concordarem com a escravização dos índios.

A estreia de Borba Gato no movimento sertanista foi na famosa expe­dição liderada pelo seu sogro, iniciada em 1674, em direção aos sertões do Sabaraboçu, em Minas, munido da patente de “Governador das esmeraldas”. Esta foi a primeira penetração oficial e organizada em território mineiro e que resultou no estabelecimento de vários pequenos núcleos de povoamento. A expedição fracassou quanto aos seus objetivos – as esmeraldas não foram encontradas – mas abriu caminho para a descoberta de ricas jazidas de ouro.

Fernão Dias morreu durante a expedição. Borba Gato e outros sertanis­tas se espalharam pela região e vieram a ser os protagonistas da descoberta do ouro. Ele e sua gente foram os primeiros a descobrir o precioso metal na região de Sabará. Até que, em 1682, chegou à região a primeira autoridade régia, enviada para impor o controle fiscal, o castelhano Dom Rodrigo de Castelo Branco. Instalou-se um clima de revolta, origem remota do que se costumou chamar de “sentimento nativista” dos paulistas contra os portugue­ses. Dom Rodrigo acabou assassinado pelo próprio Borba Gato!

Por conta desse crime, o Borba sumiu do mapa por dezoito anos. Inter­nou-se no sertão do Rio Doce. Pelas poucas informações disponíveis, tudo indica que passou a conviver “pacificamente” com os índios. Dizem que até se tornou um deles… Reapareceu em São Paulo em 1700. Entregou amostras de ouro ao governador Artur de Sá e Menezes. Já havia sido perdoado do crime em 1698. Passou a ser nomeado para importantes cargos. Quando fa­leceu, em 1718, ocupava o cargo de juiz ordinário de Sabará. Ele foi a grande figura do poder colonial na região do Rio das Velhas.

Papel de destaque ele ocupou também na primeira revolta que eclodiu nas Minas em 1708, a Guerra dos Emboabas. Tomou partido dos paulistas contra os partugueses e os baianos, chefiados pelo super-latifundiário Mano­el Nunes Viana e pelo padre Antonio Corvelo. Borba Gato sempre foi a ponta de lança dos paulistas frente à expansão baiana que vinha pelo norte, pelos vales do São Francisco e seus afluentes.

Sua relação “pacífica” com os índios é explicada por alguns histo­riadores. Segundo estes, os índios da região de Minas, onde circulava o Borba Gato, eram os de “língua travada” (tapuias) e não os de “línguaboa” (tupis). Essa distinção se referia a uma diferenciação cultural entre os indí­genas do Brasil. Os tapuias eram coletores e caçadores, não eram agriculto­res. Assim, não eram reduzidos à escravidão com lucro efetivo. Com certeza, o Borba Gato desistira de escravizá-los porque não via utilidade nisso, como afirma Eduardo Bueno.

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