Nesse Brasil assolado pela crise sanitária e pela crise provocada pelo maior vírus da história política do país, que em forma humana representa um espalha-brasa, diariamente tosco, diariamente contraditório, diariamente disse-não-disse, relembrar episódios da ditadura é como se abríssemos o esgoto do tempo para compreender cada monstrengo que dele brotou, e que ainda circula, impunemente, com seus filhotes.
O resumo da leitura sobre dois assassinatos patrocinados por Estados diferentes, revela-o sem lei, nem limite, realizando o supremo ódio na arquitetura da morte. A motivação homicida está nos interesses econômicos ou político-ideológicos ou de preservação de uma aparência impossível de ser escondida aos olhos da história. Na prática é a violência pela violência, que pretende gerar intimidação, medo, submissão. A podridão de tal violência quer a sombra e o escuro, como se ela não tivesse a exalação do cheiro insuportável. Esse é o terrorismo do Estado, ilustrado pelos atos que o tempo os coloca à luz da leitura de jornais, livros, ou de filmes.
O diplomata, escritor e mestre em direito pela Universidade de Harvard, Alexandre Vital Porto, escreveu em Tendências /Debates da Folha de São Paulo, do ultimo 2 de agosto, uma mini-biogradia do embaixador José Pinheiro Jobim (1909/1979), recentemente escolhido como patrono da Turma que completava o curso de preparação para a carreira de diplomata, iniciada com o ingresso no Itamaraty, já como membro do Ministério de Relações Exteriores.
Patrono inspira as ações, serve de exemplo. É a certeza imantada na esperança de cada formando atual, que se compromete a ser tão digno como seu patrono.
José Pinheiro Jobim foi embaixador em vários países da América do Sul e também na Argélia, finalizando sua carreira diplomática no Vaticano.
Era discreto, sem nenhum ativismo político. E era formado em economia. Sua carreira foi normalíssima, corretíssima, eficientíssima.
“Era economista de formação, e por força de contingências do trabalho, acompanhou, desde o início, por anos, as negociações para a construção de Itaipu. Era considerado um especialista”.
Estava escrevendo um livro de memórias, já aposentado, quando em 1979 foi a posse do presidente João Figueiredo.
Seus colegas de Brasília presentes naquele ambiente de festa ouviram-no dizer que estava escrevendo um livro de memórias, no qual faria a denuncia do “superfaturamento milionário nas obras do complexo de Itaipu”.
Já no Rio de Janeiro, sete dias depois, ele desapareceu. Quando encontrado, estava dependurado pelo pescoço, como se ele tivesse suicidado.
O azar dos esbirros dos porões é que de repente uma pessoa recebe um bilhete do sequestrado comunicando-lhe seu sequestro.
O Estado brasileiro oficialmente reconhece que ele foi assassinado por servidores seus e seu atestado de óbito passou a registrar “morte não natural, violenta, causado pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política a regime ditatorial de 1964 a 1985”.
Outro ato aterrador, na arena internacional, para o qual se destinava a suspeita de golpe de estado, foi o da morte matada do Presidente Kennedy. Se o cineasta Olivier Stone, em filme de 30 anos atrás, levantava a suspeita de golpe de estado, no seu “JKF– A pergunta que não quer calar”, atualmente tal suspeita ganha forte conteúdo de veracidade, com os documentos da investigação liberados em 2017. A matéria está no Suplemento do jornal VALOR, do último seis de agosto, em matéria assinada por Elena Guerini.
O filme “JKF – Revisitado: do outro lado do espelho”, apresentado no último Festival de Cannes, tem por base os registros oficiais do FBI, da CIA, que estiveram envolvidos na trama assassina, e registros do Departamento de Justiça, que dos três mil documentos ficaram ainda duzentos sob o manto do sigilo.
A política externa de Kennedy contrariava poderosos grupos econômicos e especialmente o “complexo empresarial-militar” que, em 1961, o presidente Eisenhower, 34º dos Estados Unidos, o denunciava, alertando para os riscos de seu gigantismo e de sua influencia na política externa do país.