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Fogueira do Borba Gato: textos, contextos e métodos

Deixei passar uns dias para entrar neste debate, mais em nível de contribuições do que propriamente de alardear uma opinião. Uma certa distância dos fatos nos traz maior inteligência sobre os mesmos. Mas já vou adiantando que muito me simpatizo com as ações de grupos historicamente excluídos que denunciam o colonialismo e o racismo. O ataque aos seus monumentos-símbolos é parte necessária e lógica da ação desses movimen­tos emergentes. Isso vem acontecendo em todo o mundo e agora, em boa hora, também no Brasil.

Li e reli vários artigos e logo percebi que o debate ficou restrito à esquer­da. Me pareceu que a direita já não vê mais, nesses símbolos da opressão, alguma coisa de que valha fazer apologia. Haja vista quase o silêncio total da sua grande mídia. Encontrei mais convergências do que divergências nos textos que li. Divergências principalmente quanto ao método. Conver­gências principalmente quanto às razões e objetivos que levaram o grupo Revolução Periférica a botar fogo no monumento a Borba Gato no bairro de Santo Amaro, em São Paulo, no último dia 24 de julho.

Se ficarmos apenas nos títulos, podemos concluir apressadamente que as dissonâncias são incontornáveis. Muitas vezes os títulos servem para chamar a atenção para a opinião dos autores. Cito, como exemplo, o artigo de Renato Rovai, editor da Fórum: “Fogo no Borba Gato não é terrorismo. É só burrice mesmo”. Percebo que muita gente fica só no título e deixa de ler o que vem a seguir, caso o título não agrade. Uma pena. Pois, ao longo do texto, o mesmo Rovai afirma que o episódio: “é uma ação direta contra um símbolo cujo conteúdo histórico remete à opressão e ao genocídio”.

Muito boa a contextualização feita por Leonardo Sacramento a partir da construção ideológica da “paulistanidade” que tem justamente na figura dos bandeirantes um dos seus alicerces. Segundo ele, “Borba Gato surge no século XX, na prática, como resultado de uma construção supremacista dos paulistas não somente sobre os negros e nativos, mas sobre as outras elites regionais.” E vai a fundo explorando a disputa pela hegemonia política nacio­nal desde o movimento de 32, através do Estadão e até mesmo da USP. Por isso, é necessário ter o domínio dos textos e contextos nessas polêmicas.

É por aí que se entende a ereção da estátua ao Borba Gato em 1963, obra do artista Júlio Guerra. Para outra questão chama a atenção o nada ortodoxo jornalista Eduardo Bueno: “Borba Gato não foi caçador de índios, queimaram a estátua errada”. Mesmo que o Borba não tivesse atuado pessoalmente na carnifi­cina, ele fez parte daquele contexto e daquela cultura sertanista responsável pelas atrocidades contra os indígenas. Os paulistas chegaram até a expulsar os jesuítas, quando estes se levantaram contra a escravidão dos negros da terra.

Renato Rovai ainda nos alerta de que não se pode escrever as regras do jogo apenas para um lado. Recentemente, o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub ameaçou retirar um mural de Paulo Freire do MEC porque ele era “feio, parecia um vudu e além do que Freire era comunista”. Sérgio Camargo, da Fundação Palmares, usou discurso semelhante para excluir nomes de lutadores e intelectuais negros da lista de personalidades da instituição.Vale lembrar que o genocida da vez anda louquinho para achar algum terrorista por aí…

Assim, as divergências se reportam sobretudo aos métodos da denún­cia e do protesto. Algo que diz respeito à tática e à estratégia de um projeto maior. E aqui rendo graças ao meu dileto amigo Célio Turino pelo belo texto que publicou no último dia 25 de julho. Para ele, movimentos como o Revolução Periférica, “são movimentos estético-políticos em busca de uma nova narrativa, ou, ao menos, da possibilidade de poderem colocar novos personagens e enredos na narrativa histórica”.

Turino, então, faz uma proposta com a qual concordo plenamente: tais mo­numentos podem ser ressignificados nos locais em que estão, recebendo outras manifestações monumentais ou artísticas, ou intervenções pedagógicas, que esclareçam textos e contextos. Ou ainda transferidos para outros locais, como Museus ou Parques de Monumentos. Os poderes públicos e Conselhos de Patrimônio Cultural precisam compreender esse momento, formulando políticas públicas democráticas que respondam a essas novas questões.

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