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A Lei de Licitações e suas interpretações

ALFREDO RISK

Advogado especializado em Direito Pú­blico, Marco Damião, analisa a Lei de Lici­tações e como ela tem sido interpretada por muitos governantes na hora de abrir um processo licitatório. Segundo ele, atualmen­te, a maioria das licitações é realizada na modalidade pregão – presencial ou eletrôni­co -, cujo critério exclusivo é o menor preço. Mas, dependendo da forma como o proces­so licitatório é conduzido, a economia obti­da – diferença entre o valor orçado e o valor do contrato – pode resultar na contratação de serviços e de produtos de qualidade infe­rior ao praticado pelo mercado.

Tribuna Ribeirão – A Prefeitura de Ribeirão Pre­to rescindiu o contrato com duas construtoras que esta­vam fazendo quatro grandes obras na cidade. As empresas pediram realinhamento de preço do contrato em função, segundo elas, do aumento dos insumos causados pela pandemia. A pandemia tem esse efeito colateral e pode in­viabilizar obras públicas?
Marco Damião – Vale escla­recer a coexistência de duas leis federais sobre licitações e con­tratos pelo prazo de dois anos: Lei n. 8666 de 1993 e a recente Lei n. 14.133 de abril de 2021. Contratos administrativos cele­brados antes do dia 1º de abril de 2021 permanecerão atrelados à legislação de 1993. E nos feitos a partir de abril desse ano, a admi­nistração pública pode optar por uma das leis para realização de processos licitatórios, sendo ve­dada a combinação de dispositi­vos de uma e de outra legislação. Atualmente os contratos admi­nistrativos devem ser analisados no contexto da pandemia do coronavírus, dados os reflexos diretos do aumento de preço de materiais e produtos nas diver­sas áreas de atuação do Poder Público. As obras de construção dos viadutos, corredores de ôni­bus e túnel foram impactadas pelo aumento de preços dos in­sumos da construção civil.
A lei de licitações prevê a possibilidade de reequilíbrio econômico-financeiro dos con­tratos na ocorrência de fatos excepcionais, imprevisíveis e interferência comprovada no valor da obra. A pandemia da covid-19 é caso típico de excep­cionalidade, de imprevisão e de impacto na elevação dos preços de produtos de obras de enge­nharia. A paralisação das obras agravará financeiramente a situ­ação dos comerciantes e empre­sários destas regiões já afetados pelas restrições decorrentes da pandemia do coronavírus.

Tribuna Ribeirão – Uma das crenças nos setores público e privado é que obra boa é obra que custa pouco. Regra geral, o poder público quando faz uma licitação com preço inferior ao estimado no edital de licitação vende essa ideia como sendo resultado de eficiência. Como o senhor avalia este discurso?
Marco Damião – A Lei 8666/1993 prioriza a contrata­ção de empresa com a proposta de menor preço, sendo esse o principal critério de julgamen­to. Hoje em dia, a maioria das licitações é realizada na moda­lidade pregão (presencial ou ele­trônico), cujo critério exclusivo é o menor preço. Dependendo da forma como o processo lici­tatório é conduzido, a economia obtida (diferença entre o valor orçado e o valor do contrato) pode resultar na contratação de serviços e de produtos de quali­dade inferior ao praticado pelo mercado em geral.
A relação custo/benefício é a que melhor atende ao interes­se público, pois compatibiliza a equação preço/qualidade nas compras e contratação de servi­ços públicos. A Nova Lei de Li­citação (Lei n. 14.133/2021) dis­põe de modernos instrumentos legais que visam garantir maior eficiência e menos formalidades nos contratos administrativos. A redução da burocracia e a me­lhora na consecução das ações públicas beneficiará a população mais carente, que depende dire­tamente dos serviços públicos.
A criação do Portal Na­cional de Contratação Pública (PNCP) por meio de portal eletrônico destinado a centra­lizar as licitações da União, Es­tados e Municípios, será ferra­menta essencial na verificação de valores de contratos, adita­mentos, repactuações finan­ceiras, atestado de capacidade técnica, relação de idoneidade e de empresas impedidas de contratar com Poder Público.

Tribuna Ribeirão – Outro tema muito difundido atual­mente é a necessidade trans­parência dos gastos do poder público. Em Ribeirão Preto uma lei aprovada pela Câma­ra que obrigaria a Prefeitura a divulgar as obras paralisadas e os motivos desta paralisação foi vetada pelo Executivo sob o argumento de inconstitucio­nalidade. Leis deste tipo pro­postas pelo Legislativo são de fato inconstitucionais?
Marco Damião – A parali­sação das obras e serviços pú­blicos com versões conflitan­tes sobre os motivos e valores envolvidos provoca dúvidas e incertezas na sociedade. Daí, a importância de lei municipal regulamentar a publicação de informações no site oficial da Prefeitura, inclusive com di­vulgação clara e objetiva dos motivos, prazos de suspensão, valores e datas previstas para conclusão e entrega das obras.
O princípio constitucional da publicidade impõe a divulga­ção oficial dos atos da Adminis­tração Pública, com livre acesso ao cidadão. As informações de­vem ser claras, objetivas e de fácil compreensão do cidadão leigo. A sociedade deve acompanhar os gastos com dinheiro público e observar se as prioridades do gestor público são compatíveis com as necessidades e reivindi­cações da população.

Tribuna Ribeirão – Mas, a lei aprovada em Ribeirão Preto é inconstitucional?
Marco Damião – A Prefei­tura de Ribeirão Preto recen­temente ingressou com uma Ação Direta de Inconstituciona­lidade no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo arguindo a ilegalidade da lei de autoria parlamentar sob a alegação de vício de iniciativa. Em caso semelhante, o Tribunal julgou constitucional lei do Municí­pio de Mauá, na grande São Paulo, também de iniciativa da Câmara Municipal, que obriga a Prefeitura a divulgar infor­mações gerais sobre as obras públicas paralisadas na cidade.
Independentemente de ori­gem da propositura, é recomen­dável a edição de lei municipal tornando obrigatória a divul­gação de informações sobre a paralisação de obras e serviços públicos. A população tem o direito de saber as justificativas das paralisações, os prazos e as condições de retomada das obras e seus reflexos financeiros.
Na hipótese do Tribunal de Justiça declarar a inconstitu­cionalidade da lei de autoria do vereador Alessandro Maraca (MDB), o Executivo Municipal poderá apresentar projeto de lei de conteúdo semelhante ao do parlamentar, para votação da Câmara Municipal, restan­do afastada a tese de vício de iniciativa. É recomendável que a Administração Municipal dê publicidade dos atos e contratos administrativos que afetam dire­tamente o dia a dia do munícipe e interferem de forma direta na qualidade de vida da população.

Tribuna Ribeirão – Várias leis aprovadas pela Câmara de Vereadores de Ribeirão Preto têm sido vetadas pelo Executi­vo com o argumento de vicio de iniciativa ou inconstitucio­nalidade. Em sua avaliação as Câmaras municipais têm le­gislado de digamos de forma equivocada neste aspecto?
Marco Damião – De um modo geral, não considero que as Câmaras têm legislado de for­ma equivocada na apresentação de projetos de lei. Os vereadores atuam no atendimento das cres­centes demandas sociais e, por vezes, extrapolam os limites da competência legal para legislar. O direito é dinâmico e as leis decorrem do processo de matu­ração das reivindicações sociais em relação à iniciativa privada e execução das políticas públicas.
As decisões judiciais tam­bém refletem os novos enfoques e interpretações em assuntos relacionados à transparência e publicidade de atos públicos, lei de acesso à informação, parti­cipação política das mulheres e dos negros, defesa dos direitos dos consumidores, menores e idosos, dentre outros.
As leis municipais subme­tidas ao controle de constitu­cionalidade perante o Poder Judiciário podem ser complexas e causar divergências de inter­pretação jurídica, especialmen­te sobre a ocorrência de vício de iniciativa na apresentação de projeto de lei por vereador.

 

Tribuna Ribeirão – Como encontrar o ponto de equilí­brio entre o Executivo e o Le­gislativo pra evitar este tipo de problema?
Marco Damião – A Cons­tituição Federal assegura a in­dependência e harmonia dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que devem atuar nos estritos limites de suas compe­tências e prerrogativas legais. A ingerência de um poder sobre outro, por vezes delimitado por uma linha muito tênue, pode ter motivação política ou de nature­za interpretativa da Constituição Federal e da legislação ordinária.
O ponto de equilíbrio já está consolidado no ordenamento jurídico e deve ser observado com imparcialidade e despro­vido de conotações políticas. À Comissão Permanente de Justi­ça da Câmara Municipal (CCJ) compete analisar a legalidade formal e material dos projetos de lei, opinando pela constitucio­nalidade ou não das proposições de autoria parlamentar.
A jurisprudência do Tri­bunal de Justiça de São Paulo (Direito Público) é importante ferramenta de trabalho dos ve­readores membros da Comissão de Justiça e das assessorias jurí­dicas na análise de constitucio­nalidade dos projetos de lei.

Raio X das obras rescindidas em Ribeirão
Túnel da Avenida Presidente Vargas
Valor estimado: R$ 25.706.975,99 Valor contratado: R$ 19.882.700,02 Economia na licitação – R$ 5.824.275,97 Início – Agosto de 2020
Viaduto Avenida Thomaz Alberto Whately
Valor estimado: R$ 17.303.723,67 Valor contratado: R$ 13.284.955,62 Economia na licitação – R$ 4.018.768,05 Início – abril de 2020
Viaduto Avenida Mogiana
Valor estimado: R$ 24.848.629,88 Valor contratado: R$ 19.870.000,00 Economia na licitação – R$ 4.978.629,88 Início – novembro de 2019
Corredores de ônibus Avenida Pedro II, Avenida Saudade/Rua São Paulo
Valor estimado: R$ 45.836.650,35 Valor contratado: R$ 39.740.679,60 Economia na licitação – R$ 6.095.970,75 Início – janeiro de 2020

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