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Por Ana Lourenço

Na série Atypical, da Netflix, Sam Gardner (Keir Gilchrist) é um adolescente como outro qualquer: frequenta a escola, trabalha, namora e tem um grupo de amigos. Apesar disso, o protagonista é diagnosticado com autismo, e por isso tem algumas limitações nesses âmbitos. O fio condutor da trama, que já estreou sua quarta e última temporada, gira em torno do autoconhecimento – algo que conversa com a realidade de outras pessoas que estão dentro do espectro autista, como a designer Tabata Cristine Barroso, de 31 anos. Foi assistindo à série, lançada em 2017, que ela se entendeu como autista. “Quando comecei a terapia, eu tinha o diagnóstico de transtorno bipolar. Apesar de isso não fazer sentido para mim, eu não sabia explicar para a psicóloga as minhas questões. Foi quando vi o Sam e me achei parecida com ele. Levei as questões para a terapia e a gente chegou ao meu diagnóstico”, conta ela. “Não tem nem como expressar em palavras como Atypical mudou a minha vida.”

A abordagem do autismo em séries e filmes não é de hoje. Em 1988, o ator Dustin Hoffman ganhou o Oscar de melhor ator ao dar vida a Raymond no filme Rain Man. Lançada no mesmo ano de Atypical, a série The Good Doctor conquistou fãs com a interpretação do cirurgião autista Dr. Shaun Murphy (Freddie Highmore). Mas, apesar de excelentes, as produções trazem personagens masculinos, representados por atores neurotípicos, ou seja, fora do espectro do autista, o que acaba reforçando estereótipos. No caso de Atypical, a criadora da série, Robia Rashid, diz que inserir pessoas com autismo na série sempre foi uma preocupação. “O que mais me orgulho do nosso programa é de como destacamos as histórias de pessoas do espectro, ao mesmo tempo que as empregamos, dentro e fora das câmeras”, diz.

“As pessoas tendem a fazer generalização do que é o autismo a partir do que é divulgado. E normalmente são homens, brancos, héteros, que ou exigem grande necessidade de apoio ou se enquadram no quesito de altas habilidades. Mas os autistas são os mais diversos possíveis”, pontua Polyana Sá, de 20 anos, ativista e influenciadora digital que fala de seu autismo nas redes sociais.

Na série, essa diversidade é vista principalmente na segunda temporada, na qual Sam opta por uma faculdade de arte – rompendo com a ideia do gênio matemático – e faz amizade com um grupo de adolescentes autistas, representados por atores diagnosticados com TEA (Transtorno do Espectro Autista).

Na quarta temporada, o grupo ganha ainda mais importância. Especialmente a colega Sid, interpretada pela atriz diagnosticada com TEA Tal Anderson. É ela quem ajuda o amigo a alcançar uma meta imposta desde os primeiros episódios da temporada, mas que só tem resultado no episódio final.

Para não estragar a surpresa e limitar a experiência do espectador, não vamos revelar esse final, mas fato é que o acontecimento guia todos os dez episódios e faz com que a independência de Sam seja ainda mais explorada. Essa autonomia passa, obrigatoriamente, pela questão da proteção parental. Elza (Jennifer Jason Leigh), mãe de Sam, é superprotetora e faz o seu melhor para garantir a plena segurança do filho. A série sempre explorou bem a relação, mas é somente na quarta que vemos Elza, pela primeira vez, confiar plenamente na capacidade do filho.

Amor

Falar sobre independência autista implica falar sobre o autismo na vida adulta e suas necessidades. Por esse motivo, Amor no Espectro, reality show também da Netflix, é a série favorita do estudante e ativista Lucas Pontes, de 24 anos. “Ela traz um tema bem interessante, pois, ao nos chamarem de anjos e coitadinhos, as pessoas parecem esquecer que a gente tem interesse em relacionamentos e tudo mais. Claro que alguns têm muitas dificuldades, mas a série acaba com esse estereótipo de que autista vive sozinho”, diz. Atypical também explora bem essa questão no relacionamento amoroso de Sam e Paige (Jenna Boyd). Na última temporada, o namoro fica mais íntimo, com atos de carinho que partem do próprio protagonista, que tem grande sensibilidade ao toque.

“Existem características em comum que enquadram as pessoas dentro do espectro. Entre elas, a dificuldade de comunicação e interação social e os comportamentos repetitivos”, explica Caroline Espíndola, psicóloga e analista do comportamento do Grupo Conduzir, clínica especializada no tratamento de crianças autistas. “Pessoas com autismo também podem ter uma sensibilidade diferente, sendo hipersensibilidade ou hipossensibilidade.”

A adaptabilidade dos autistas é limitada, mas não impossível. Tudo vai depender do ambiente e da situação. Em mulheres, isso pode vir com o nome de camuflagem. “Acontece quando você copia o jeito das outras pessoas. Isso se dá mais em meninas por uma questão de sociabilização. Quando um menino tem um interesse superfocado ou muito agitado, ele é mais aceito”, diz Mariana Camargo, de 24 anos, que se entendeu autista graças a um vídeo que falava sobre o assunto no TikTok.

“Quando vi, percebi que fazia a mesma coisa. Levei para minha psiquiatra e, depois de um tempo, recebi o diagnóstico”, conta ela, que, por seis anos, foi caracterizada com ansiedade social, depressão e transtorno de bipolaridade borderline.

Conscientização

Falar sobre autismo em filmes e séries é importante para conscientizar o público, além da possibilidade de pessoas ainda não diagnosticadas se identificarem com os personagens. Quanto mais representatividade, mais tipos de autistas podem ser englobados.

Descobrir o diagnóstico foi descrito como libertador para todos os entrevistados desta reportagem. Mas para o bonequeiro Fábio Sousa, de 38 anos, aconteceu algo ainda mais importante. “Quando eu descobri que era autista, deixei de querer morrer”, desabafa. “Muita coisa na minha vida passou a fazer sentido e comecei a me perdoar pelas coisas que eu não conseguia fazer.”

Hoje, pai de Gustavo, menino autista de 3 anos, ele descobre cada dia mais sobre o próprio autocontrole. “Nossas crises e nossas dificuldades ficam em segundo plano até que nosso filho esteja bem”, diz ele, que tem sensibilidade auditiva e visual.

Dentre os cinco entrevistados, diferentes maneiras e ritmos de falas, distintos gostos, histórias e estereotipias. Enquanto Lucas fez uma chamada de vídeo, na qual ficou mexendo em seus Stims (brinquedos com a função de estimular sensorialmente a pessoa), Mariana me contou sua história por telefone em uma conversa de quase 40 minutos.

“Eu gosto de pensar que o espectro autista é como se fosse aquele álbum do Pink Floyd, The Dark Side of The Moon. O autismo seria a luz branca e a refração, que forma o arco-íris, demonstrando onde a pessoa pode estar no espectro. Ela pode estar mais para o roxo, mais para o azul, mas não representa o arco-íris inteiro”, reflete Polyana.

Ser amplos e diversos – autistas ou não. Para a criadora de Atypical, essa é justamente a razão do sucesso da série. “Ela é para qualquer pessoa que já lutou contra a ideia do que significa ser normal”, afirma. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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