Juana de Ibarbourou (1892-1979), pseudônimo literário de Juana Fernández Morales, foi uma poetisa uruguaia que ganhou notabilidade já com seus primeiros escritos. Seja pelos poemas de “Las lenguas de diamante” (1919), que, enaltecedores do corpo e da natureza, rompiam com o Modernismo do final do século XIX e início do século XX, seja pela prosa de “Cántaro fresco” (1920), que descreve a vida do interior do Uruguai, especialmente de Melo, terra natal da autora, seu estilo já a aproximava de grandes nomes da época, como, por exemplo, da chilena Gabriela Mistral e da argentina Alfonsina Storni. “Las lenguas de diamante”, ao focar o amor e o erotismo, fechava os olhos para as restrições morais estabelecidas pela Igreja Católica da época, elogiando a sensualidade da pele morena, o que se tornaria uma constante em seus trabalhos futuros. Em linguagem simples, sem metáforas elaboradas, Ibarbourou valia-se da fusão dos recursos literários ao eu-lírico e à natureza para conferir-lhes características distintivas das obras até então publicadas no Uruguai.
Em 1959, Cecília Meireles assim se expressa sobre a mesma, “Sua voz é outra. Não tem amarguras nem ironias. É, principalmente, uma voz feliz. Uma voz agreste, de jovem deusa que passa pelos bosques, morde frutos vermelhos, brinca entre abelhas e águas, debruça-se para fontes de violetas, e quer ser amada antes que o tempo passe… fala com muita naturalidade, às vezes em tom confidencial, com o sussurro que ensinam as brisas nos ramos e nos rios. Para os homens que ama, transformase em coisas dóceis e belas: cão, corça, estrela, flor… – outras vezes, planta, água, falena… tem impudores rústicos: banhos nos rios tempestuosos, e prazer da própria beleza.”
Um exemplo? “Desde el fondo del alma me sube un sabor de pitanga a los labios; tiene aún mi epidermis morena no se qué frangancias de trigo emparvado. Ay!, quisiera llevarte conmigo a dormir una noche en el campo y en tus brazos pasar hasta el día bajo el techo alocado de un árbol. Soy la misma muchacha salvaje que hace años trajiste a tu lado”. Traduzindo, “Do fundo da minha alma sobe um gosto de pitanga nos lábios; minha pele morena ainda tem um não sei que de fragâncias do trigo embebido. Oh, eu gostaria de te levar comigo a dormir uma noite no campo e em seus braços passar todo o dia sob a sombra de uma árvore. Eu sou a mesma garota selvagem que anos atrás você trouxe ao seu lado”.
“Cántaro fresco” (1920), por sua vez, trazia como tema uma sensualidade sempre remetida à vida simples, caseira e majestosa que persistia no eu da autora, muito ligada à natureza enquanto expressão. Exaltando elementos da natureza, figuras pastorais e também elegíacas, era uma escrita enraizada nas paisagens agrestes da infância e adolescência de Ibarbourou. Nele, ao focar em detalhes, valorizando personagens, objetos e elementos de seu ambiente, a autora oferecia ao leitor um quadro agradável e afetivo de sua vida. Nele, sua paz interior e a figura de seu filho, brincando e rodeado de borboletas, grilos, cigarras e outros apresenta ao leitor nada menos que seu mundo íntimo, a sua relação com os animais, com a água, com a lua e com as estações, sem descuidar de sua dedicação às tarefas próprias das mulheres do seu tempo, a saber: tecer, cuidar do filho, descansar debaixo da videira sua casa. Imagens estas que, em conjunto, retratam seu ambiente e a cor de suas terras: verões sufocantes e o sol se pondo.
Em 1922, seu terceiro livro, “Raíz salvaje”, foi considerado pela crítica uma síntese poética exemplar do estilo sensível e vital da autora, com destaque para o amor pelo que é humano oriundo da Natureza. Um exemplo? “Tómame de la mano. Vámonos a la lluvia. Descalzos y ligeros de ropa, sin paraguas, con el cabello al viento y el cuerpo a la caricia oblicua, refrescante y menuda del agua. ¡Que rían los vecinos! Puesto que somos jóvenes, y los dos nos amamos y nos gusta la lluvia vamos a ser felices con el gozo sencillo de un casal de gorriones que en la vía se arrulla”. Traduzindo, “Pegue minha mão. Vamos para a chuva. Descalço e com pouca roupa, sem guarda-chuva, com o cabelo no vento e o corpo na carícia oblíqua, refrescante e pequena da água. Deixe os vizinhos rirem! Como somos jovens, e nós dois nos amamos e gostamos da chuva, seremos felizes com alegria simples de uma casa de pardais que se acalma na estrada”.
Muito popular em sua terra, nela recebeu o apelido de “Juana de América”, o qual foi lembrado em uma homenagem oficial a sua pessoa em 1929. Também viveu em Tacuarembó, no norte do país, por cerca de seis meses, em 1937, a convite da população local. Autodenominando-se “filha da natureza”, viria a escrever, no gênero lírico, “La rosa de los vientos (1930)”, “Perdida (1950)”, “Azor (1953)”, “Mensaje del escriba (1953)”, “Romances del Destino (1955)”, “Angor Dei (1967)” e “Elegía (1968)”, bem como, ter seu trabalho reunido nas obras “Obra completa” (Acervo del Estado) (1992, cinco volumes ao cuidado de Jorge Arbeleche) e “Obras escogidas” (Seleção, prólogo e notas ao cargo de Sylvia Puentes de Oyenard. Santiago de Chile, Editorial Andrés Bello, 1999). Em prosa, merecem destaque: “Ejemplario” (1928, livro infantil), “Loores de Nuestra Señora” (1934, comentários sobre os nomes da Virgem Maria), “Estampas de la Biblia” (1934), “Chico Carlo” (1944, contos autobiográficos sobre sua infância), “Los sueños de Natacha” (1945, teatro infantil sobre temas clássicos), “Canto Rodado” (1958) e “Juan Soldado” (1971, coleção de dezoito relatos).
Em 1932, Juana de Ibarbourou inspirou um concurso pelo qual se criou a bandeira do povo hispânico. Faleceu em Montevidéu, aos oitenta e sete anos de idade.