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O carro na estrada

O noticiário começa a estampar: vem por aí ampla reforma minis­terial. Fala-se em troca de dez ministros. E qual seria o motivo? Escalar um time de tom substancialmente político, capaz de dar respostas às demandas partidárias e construir a fortaleza do candidato Jair Bolsonaro com vistas ao pleito de outubro de 2022. Pois é, pode até não haver uma troca tão numerosa, mas o fato é que o viés eleitoreiro estará presente em eventual escolha de novos comandantes de áreas administrativas.

Dois, três ou quatro não dariam muito na vista, mas dez? A primei­ra leitura é a de que a gestão federal não tem sido eficiente. Só se troca jogador em campo se ele estiver contundido ou se a tática bolada pelo técnico estiver centrada em maior ataque ou melhor defesa. Parece ser esta a intenção do técnico Jair para enfrentar seu quarto ano de governo.

Como insisto em lembrar, a vida de uma administração – federal, estadual ou municipal – se assemelha a um carro de quatro marchas. Cada ano corresponde a uma marcha. A primeira dá o empuxo na largada. O mo­torista testa o ambiente, olha para a frente e para os lados, fazendo o mesmo diagnóstico de governantes em mandato. E promete, sobretudo, inovar, renovar, combater as mazelas que corroem o corpo da administração, a partir da corrupção e da cultura franciscana – é dando que se recebe.

Na segunda marcha, o carro avança com mais velocidade, corres­pondendo ao segundo ano do governo, quando os governantes come­çam efetivamente a imprimir sua marca, depois de um enxugamento inicial. Casa em ordem, a lógica é implantar ideias novas e avançar. Mas, desde o início, o atual mandatário federal fez questão de acentuar um viés eleitoreiro, usando um palavreado esdrúxulo e, às vezes, debochado.

A terceira marcha é a decolagem, com o carro andando solto e a administração, de modo equivalente, deve realizar uma bateria de obras. Ocorre que o terceiro ano também se apresenta como ciclo de ajustes políticos, a etapa de atendimento ao toma lá dá cá, em cumprimento ao presidencialismo de coalizão, quando os partidos governistas sinalizam sua vontade de participar da administração e, como escudeiros, passam a votar as pautas do Executivo nas casas parlamentares.

Na quarta marcha, o carro, muito veloz, faz ultrapassagens, queima etapas e faz as correções para alargar a avenida eleitoral, cuja pavi­mentação tem início agora no segundo semestre de 2021. Mas o Senhor Imponderável sempre aparece para colocar pedras no caminho. Desta feita, os obstáculos se materializaram em um vírus mortífero, com seus filhotes, as variantes, que ceifaram a vida de quase 500 mil pessoas no país.

A pandemia trazida por estes atacantes destrói parcela da imagem dos mandatários, principalmente o do andar do chefe do Estado. São profundos os buracos na estrada, alguns fazendo estragos na suspensão do carro, como drogas sem eficácia para combater o vírus, a falta de oxigênio em praças como Manaus, o desleixo e a demora na aquisição de vacinas, a má gestão da crise. Seria possível atenuar os solavancos até outubro de 2022? Sim. Vacinas em abundância e economia jogando dinheiro no bolso das famílias.

Portanto, o que veremos, nos próximos tempos, é a busca incessante de meios e instrumentos para cooptar as massas, atraí-las para os cerca­dos a serem construídos pelos candidatos. Cada qual se esforçará para formar uma identidade que entre na cabeça e no coração dos eleitores: a do despachante, que atende a todos os pedidos da sociedade; a do juiz, que distribui justiça para todos os lados; a do salvador de náufragos, que aparece com sua tábua de salvação; a de São Jorge, com sua espada degolando os dragões da maldade; o enviado por Deus para limpar as impurezas; o obreiro faraônico, que prometerá fazer grandes obras; o populista, que corre para abraçar as multidões; a de César, imperador romano, queixo apontando para a testa dos interlocutores, rodeado de áulicos, recebendo aplausos e dizendo mentiras.

Alguns recontarão suas histórias, passando uma borracha nos radicalismos; e outros farão o contrário, sob a intenção de criar reservas de ódio no coração dos adeptos. E todos, sem exceção, tentarão mostrar que o Brasil será um céu. Bastando que o eleitorado ajude a empurrar o carro na reta final.

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