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Lisboa, simplesmente Lisboa

Em uma madrugada gelada, cheguei a Lisboa, vindo de Madri, ru­mei para um simpático hotel no bairro Chiado, emblemático, charmoso e tradicional da cidade, localizado entre o Bairro Alto a Baixa Pombalina.

Ainda inebriado pelo torpor dos vinhos sorvidos no trem, busquei um pouco de descanso, despertando decidido a flanar pela “Velha Cidade”, saindo do hotel, o vi, sentado em uma mesa, bem pertinho da “Brasileira do Chiado”, o Pessoa em pessoa, abafando a emoção, o cumprimentei com uma discreta deferência.

Descendo a Garret, fica localizada a livraria mais antiga do mundo, que recebeu este título em 2011, a “Bertrand” era meu sonho a conhe­cia em fotos, textos e filmes, adentrar seu espaço físico foi o segundo maior presente, logo no primeiro dia.

Passava meus dias flanando, sob o aroma dos vinhos, sardinhas, bolinhos de bacalhau, avencas, suaves azulejos, fados, chafarizes, fontes, vielas, lugarejos, toda a áurea envolta na magia de cada lugar.

Os restaurantes de fado em Alfama, avenida da Liberdade, Bairro Alto, Torre de Belém, Sé, Miradouro de São Pedro de Alcântara, Padrão dos Descobrimentos, Castelo de São Jorge, o Bacalhau em Casilhas, atravessando o Tejo e os eternos Pastéis de Belém.

Imperdível e lúdico, um passeio ao longo do rio Tejo para apreciar a ponte 25 de Abril, percorria tudo, ávido e abismado.

Sempre que retornava ao hotel cansado e encantado, me deparava com ele, sentado impassível, olhando o Chiado, o cumprimentava, com um olhar e um leve sinal, imediatamente correspondido.

Passei por inúmeros lugares, visitei a casa do Poeta, no bairro Campo de Ourique, a Fundação José Saramago, na Rua dos Baca­lhoeiros e mais, muito mais.

Gostava de ficar sentado nos lugares que margeiam o Tejo, no último dia, meio amargurado, triste por deixar Lisboa, procurei uma mesa, pedi um tinto seco e fiquei ali, matutando, os pensamentos confusos e apertados pela partida.

A poucos metros, uma jovem sentada, nos olhamos e ficamos naquela cena de descobrimento e deslumbre, seus olhos verdinhos, bastante fechados, que vez em quando se abriam como esmeraldas, a boca de um sorriso em curvas, os lábios talvez nascidos do pincel de Michelangelo, das visões de Leonardo da Vinci, dos versos de Drum­mond ou da prancheta de Niemayer.

Seus pés pequeninos, levemente cruzados cobertos por uma sandália simples e sensual, quase escondidos pela saia comprida, com desenhos, inspirados nos vitrais das catedrais, caindo sobre os ombros em movimentos sinuosos um xale colorido decorado com estampas portuguesas.

Ficamos ali, como quando de mãos dadas, um casal observa um altar, os minutos passando a admiração e a ansiedade assaltando.

De repente, em um movimento gracioso e repentino ela se levantou e sorriu, foi o momento mais marcante da minha vida, meu coração dis­parou e me vi menino despertando na manhã do dia 25 de dezembro, não caminhou, apenas flutuou, se afastando em direção ao Tejo.

Com os olhos marejados, terminei meu vinho, subi ao Chiado, o cumprimentei pela última vez, pequei minha mala em movimentos trôpegos e perdidos.

Na volta, sob os efeitos do encantamento, ofuscado pela lembrança, tendo decorado cada segundo, senti que por minutos de eternidade havia conhecido a formosura e o sonho, retornando para realidade nua e crua dos meus dias e da minha existência.

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