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Peça ‘Insônia – Titus Macbeth’ une dois textos de Shakespeare

Por Maria Eugênia de Menezes, especial para o Estadão

É como se uma única tragédia não desse conta de tamanha barbárie. Em Insônia – Titus Macbeth, espetáculo que o diretor André Guerreiro Lopes apresenta, duas peças trágicas de William Shakespeare foram amalgamadas e falam, em grande medida, do caos atual. Na obra, cuja adaptação foi feita por Guerreiro e pelo dramaturgo Sérgio Roveri, as analogias com a situação brasileira não são explícitas. Mas tornam-se, gradativamente, cada vez mais evidentes.

Concebido originalmente para apresentações presenciais, Insônia cumpriu temporada em 2019 no Sesc Avenida Paulista. O contexto parecia ainda muito distante das quase 500 mil mortes que o País amarga hoje, mas já mirava em tiranos e na sede desmedida dos políticos pelo poder. “O que está colocado em cena são os destroços de um mundo destruído. Então, ainda que involuntariamente, o espetáculo ganhou novas significações com o passar do tempo”, aponta o encenador.

Na nova temporada online, que estará disponível gratuitamente até o dia 30 de junho pela plataforma Sympla, o público poderá acompanhar não só uma versão filmada da peça, nos moldes tradicionais, mas uma edição que combina três filmagens em plano-sequência, de três apresentações distintas, além de cenas de ensaio. “Quando filmamos, eu já imaginava transformar o resultado em algum produto audiovisual. Ainda que não soubesse exatamente que forma isso teria, nem que o teatro passaria a lidar tanto com esses modelos”, comenta Lopes.

Encenada fora de um palco convencional, Insônia deixava o público livre para circular pelo espaço e escolher de onde acompanhar os atores e as ações. Com esse espírito, as câmeras tentam, justamente, fazer uma transposição do ponto de vista do espectador. “É como se cada espectador fosse uma câmera, que pode escolher se aproximar e fazer um close. Ou distanciar-se da cena, buscando um plano mais geral”, diz o diretor.

À frente da companhia Lusco Fusco, o encenador costuma buscar intersecções entre o cinema e o teatro. Em seu espetáculo anterior, Chekhov É um Cogumelo, mesclava cenas filmadas à adaptação cênica do clássico russo As Três Irmãs. “Sempre acreditei que o teatro é feito do encontro de muitas outras artes”, diz ele. Outro aspecto próprio do audiovisual que está presente em Insônia é o tratamento dado ao som. A trilha sonora, os diálogos e os instrumentos tocados em cena pelos atores foram retrabalhados com a tecnologia binaural, que simula um áudio 3D por meio da ilusão acústica. Além do material que foi captado em cena, algumas falas dos atores foram regravadas, para criar camadas de sussurros. Responsável pela concepção sonora, Gregory Slivar trouxe ainda novos instrumentos e composições para a trilha do espetáculo virtual.

A vinculação com o cinema também está dada pelo elenco. Helena Ignez vive Titus Andronicus, em interpretação que lhe valeu indicação para o Prêmio Shell de melhor atriz, e Djin Sganzerla é Lady Macbeth. Musa do cinema novo, Helena já participou de mais de 40 filmes. Filha de Helena com o diretor Rogério Sganzerla, Djin também segue carreira no meio cinematográfico, tendo recentemente estreado na direção de longa-metragem com Mulher Oceano.

Se Macbeth é um dos títulos mais conhecidos e montados de Shakespeare, Titus Andronicus traçou trajetória distinta. Ambas tratam de vitoriosos veteranos de guerra, mergulhados em ciclos de ódio e vingança. Mas foram criadas em fases muito distintas do autor e não gozam da mesma reputação. Durante muitos anos, a profusão de assassinatos, estupros e crimes legou Titus ao esquecimento, desprezada por intelectuais do porte de T. S. Eliot, que dizia tratar-se de “uma das peças menos inspiradas já escritas.” Escrita pelo bardo na juventude, a obra emula um estilo muito comum à época, que era o teatro de vingança.

Em cena, as ações das duas tragédias correm em paralelo, até culminarem em um grande banquete. De um lado, o general romano Titus retorna vitorioso da guerra contra os bárbaros com a missão de escolher um novo imperador. Do outro, Lady Macbeth insufla o marido, também um militar, a matar o rei e usurpar-lhe o trono. “Concebi a personagem como uma mulher mítica, pensando nos elementos da natureza, no fogo. Como se ela fosse uma grande bruxa”, observa Djin. Aliás, a presença das bruxas na cena inicial de Macbeth serve como mote para a encenação, que busca instaurar uma aura soturna e mística. O escape para o sobrenatural, nesse caso, não deixa de ser o invólucro necessário de fábula para tratar do que se transformou em horror cotidiano.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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