Octávio Paz, em “A Dupla Chama: Amor e erotismo” (1993), afirma que sexo, erotismo e amor são, em conjunto, aspectos de um só fenômeno chamado vida. Para ele, sendo erotismo e amor formas derivadas do instinto sexual, o erotismo seria o sexo metaforizado: uma criação humana para domar o sexo e fazê-lo caber na sociedade sem que ele seja uma ameaça. Em “La Tregua”, de Benedetti, a personagem Martin, ao refletir sobre o fato de já ser viúvo, verifica que já não consegue lembrar-se da esposa Isabel, questionando, em várias ocasiões, se o que os unia era amor, realmente, ou um desejo carnal forte e à flor da pele. Explorada enquanto elemento revelador da subjetividade de Martin, neste sentido é transformada em erótico.
Exemplos? Em “La Tregua”, “mesmo sendo incapaz de reconstituir (com minhas próprias imagens, não com fotografias ou lembranças de lembranças) o rosto de Isabel, posso, em contrapartida, voltar a sentir em minhas mãos, todas as vezes que necessite disso, o toque particular de sua cintura, de seu ventre, de suas panturrilhas, de seus seios”. Em “Despistes y Franquezas” (1989), no conto ‘Su amor no era sencillo’, “Os detiveram por atentado ao pudor. E ninguém acreditou quando o homem e a mulher trataram de explicar-se. Na realidade seu amor não era simples. Ele padecia de claustrofobia, e ela, agorafobia. Era só por isso que fornicavam nos umbrais”.
No poema ‘Una mujer desnuda en el oscuro’ (2000), temos Benedetti novamente focando o tátil e o corpo, em outras palavras, focando uma boca, mãos e olhos que eu-lírico não se cansa de olhar. “Una mujer desnuda y en lo oscuro/ tiene una claridad que nos alumbra/ de modo que si ocurre un desconsuelo/ un apagón o una noche sin luna/ es conveniente y hasta imprescindible/ tener a mano una mujer desnuda./ Uma mujer desnuda y en lo oscuro/ genera un resplandor que da confianza/ entonces dominguea el almanaque/ vibran en su rincón las telarañas/ y los ojos felices y felinos/ miran y de mirar nunca se cansan./ Una mujer desnuda y en lo oscuro/ es una vocación para las manos/ para los labios es casi un destino/ y para el corazón un despilfarro/ una mujer desnuda es un enigma/ y siempre es una fiesta descifrarlo./ Una mujer desnuda y en lo oscuro/ genera una luz propia y nos enciende/ el cielo raso se convierte en cielo/ y es una gloria no ser inocente/ una mujer querida o vislumbrada”.
Traduzindo: “Uma mulher nua no escuro / tem uma clareza que nos ilumina / para que se ocorrer um luto / um apagão ou uma noite sem lua / seja conveniente e até essencial / ter uma mulher nua à mão./ Uma mulher nua e no escuro / gera um brilho que dá confiança / então o almanaque toma domingo / as teias de aranha vibram no seu canto / e os olhos felizes e felinos / olham e não se cansam de olhar / Mulher nua no escuro / é vocação para as mãos / para os lábios é quase um destino / e para o coração um desperdício / uma mulher nua é um enigma / e é sempre uma festa para decifrá-lo. / Uma mulher nua no escuro / gera sua própria luz e nos excita / o teto se torna céu / e é uma glória não ser inocente / uma mulher amada ou vislumbrada”.
Entretanto, em Benedetti, o erótico não se liga só ao sexo e ao prazer carnal, mas, também, com a alma. O poema ‘Ella que pasa’ (2000) é um exemplo disso. Nele, o eu-lírico se refere a um rosto que, passando por ele, e logo desaparecendo, deixa a sensação de um sentimento estranho que poderia via a ocorrer em quem olha. Quem olha, percebe. E quem percebe, se atrai pelo percebido, não o esquecendo mais. “Paso que pasa/ rostro que pasabas/qué más quieres/ te miro/ después me olvidaré/ después y solo/ solo y después/ seguro que me olvido/ Paso que pasas/ rostro que pasabas/qué más quieres/ te quiero/te quiero sólo dos/ o três minutos/ para conocerte más/ no tengo tiempo./ Paso que pasas/ rostro que pasabas/ qué más quieres/ ay no/ ay no me tientes/ que si nos tentamos/ no nos podremos olvidar/ adiós”.
Traduzindo: ““Passo que passa / cara que você passou / o que mais você quer / eu olho pra você / depois vou esquecer / depois e só / só e depois / tenho certeza que esqueci / Passo que você passa / enfrento que você passou / o que mais você quer / eu te amo / eu te amo apenas dois / ou três minutos / para te conhecer mais / eu não tenho tempo./ Passar o que aconteceu / enfrentar o que aconteceu / o que mais você quer / e não / e não me tente / se a gente ficar tentado / não poderemos esquecer / adeus”.
Sendo “esquecer”, tanto no poema quanto em “La Tregua”, uma espécie de “resistir ao amor”, “não amar”, mas somente desejar um certo corpo, a possibilidade de um amor nascer do desejo, bem como, de um desejo sexual surgir posterior ao apaixonar-se e amar, são características recorrentes na literatura do autor. Em outras palavras, desejo e amor, assim como alma e corpo, pressupondo possibilidades eminentes de reconhecimento do amador no amado, e vice e versa.
O que podemos concluir sobre o tratamento que Bendetti confere ao amor e ao erotismo em sua literatura? Segundo a crítica especializada, que o autor os trata tentando humanizá-los completamente. Sua linguagem e o emprego desta para fazê-los dialogar com o amor e o erotismo também sentidos pelos leitores sendo a confirmação do mesmo.