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Cabeças de aluguel: o fundo do poço

A Barcelona de Gaudi

Recentemente a mídia divulgou um dos fatos mais tristes e desalentadores dos últimos tempos. Passou quase despercebido e, por isso mesmo, é preciso que se grite a indignação que toma conta de todos os que leram com atenção ou ou­viram com ouvidos de quem quer ouvir, entender e se manifestar, e que se analise as causas e as consequências desse violento crime cometido contra a sociedade, a ética e a equidade neste País.

Quando jovens se prostituem, o sentimento de tristeza é imenso. Quando esses jovens estão entre os melhores alunos de universidades brasileiras e, portanto, repre­sentam a esperança maior de um Brasil mais justo e honesto, a sensação é de que se chegou ao fundo do poço. Afinal é na juventude, e especialmente na Universida­de, que se concentram os mais ricos sentimentos de idealismo e de justiça.

A Polícia Federal, em operação chamada “vaga certa”, prendeu sete pessoas suspeitas de vender vagas em universidades públicas e privadas em pelo menos cinco estados brasileiros (Ceará, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Para­ná) ao preço que variava de 25 mil a 70 mil reais. Até aí não é novidade.

Já tinhamos notícias da lamentável existência de compra de questões de provas e de resultados finais. A novidade é que o processo, agora descoberto, era realizado, há alguns anos, com a participação de “pilotos”: universitários qualifi­cados entre os melhores alunos, que recebiam de 5 a 6 mil reais para fazer provas em nome de outros, usando carteiras de identificação falsificadas. O pagamento (ou cachê?) variava de acordo com o conceito e importância da Faculdade.

A participação de jovens vendendo seu conhecimento para fazer vestibular em nome de outros foi o fato mais marcante da operação “vaga certa”.

Era de se esperar que houvesse uma reação enorme por parte da mídia e da sociedade com a revelação de fato tão grave. Não houve. Parece que as pesso­as estão anestesiadas e que os conceitos de ética, moral e justiça se tornaram absolutamente abstratos, ou modificando um pouco o que lamentou certa vez o saudoso Mário Covas: “Vivemos um tempo em que ser ético é sinônimo de ser ingênuo”. É tempo dos “espertos”.

A lei de Gerson já foi superada pela lei de Zeca Pagodinho que, publicamen­te se dirigiu ao Ministro Temporão, que fizera um apelo no sentido de que artistas não se prestassem a vender sua imagem para estimular o uso de bebidas alcoólicas, e respondeu grosseiramente, dentro de sua “ética” particular, que o Ministro cuidasse das máquinas estragadas das unidades de saúde e o deixasse ganhar seu dinheiri­nho. É isso aí. E ainda tem quem ache que Ética é coisa só para Médicos.

Deixando a gravíssima transgressão ética vale analisar algumas consequên­cias do vestibular feito pelas “cabeças de aluguel”. Quem pode pagar o preço co­brado pela vaga certa? Não estaria havendo com isso maior distorção social nas oportunidades para cursos universitários? Há quanto tempo isso ocorre? Quantos profissionais estão exercendo suas atividades sem sequer terem prestado exames para ingresso nas faculdades? Não é realmente necessária uma avaliação externa do produto de nossas faculdades antes que iniciem o exercício profissional?

Alguém vai dizer que ao longo do curso essas pessoas passarão por provas e, se não forem capazes, não sairão das faculdades. Seria assim se as universidades reprovassem com o rigor necessário. Como regra, poucas vezes isso parece acon­tecer e, quando ocorre, entra em ação uma nova figura na formação universitá­ria: o reprovado entra na justiça para anular sua reprovação e frequentemente consegue. O pior, geralmente são os pais que entram com os recursos contra a reprovação do “filhinho injustiçado”. Tudo isso sem contar a secular figura da “cola” que leva a aprovação de muitos incapazes.

Já é antiga uma piada que falava de uma faculdade na qual era tão fácil ingressar que acabava aprovando também o motorista do ônibus que levava os candidatos. Hoje não é mais piada, não é o motorista do ônibus e não são só as faculdades fáceis. Com o uso das “cabeças de aluguel”, verdadeiros semi-analfabetos, portadores de certificado de conclusão do secundário, podem ingressar em faculdades e, com recursos desonestos ou mandados de segurança, podem terminar seus cursos.

Quem perde?

Os alunos capacitados perdem suas vagas e a comunidade perde bons pro­fissionais. Mas, quem mais perde é o País que, com a revelação das prostituídas “cabeças de aluguel”, vê a Ética e a Esperança caminharem para o fundo do poço.

Que Deus nos proteja!

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