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Kafka segundo

Na semana passada fiz aqui um breve comentário sobre o livro de Franz Kafka, judeu, nascido em Praga, que recebeu o título de “A Metamorfose”. Narra a história da difícil relação familiar e social de um pobre caixeiro-viajante que se transformou num grande inseto, o que lhe impediu de sair do quarto e até mesmo de manter uma conduta higiênica mínima. Um inseto dotado de inteligência huma­na conseguirá manter relação familiar e social, obedecidas às regras consagradas pela tradição? Kafka persegue uma resposta impossível de ser alcançada? Como uma família consegue conviver com um filho transformado num inseto?

No livro “O Processo”, o autor, valendo-se de sua reconhecida genialidade, inverte a equação. Em “A Metamorfose” um homem, transformado em inseto, luta para sobreviver numa sociedade tradicional. Em “O Processo” Kafka descreve a figura de um homem normal vivendo numa sociedade composta por pessoas transforma­das em seres autoritários e monstruosos. Será possível um homem normal sobreviver em uma sociedade basicamente modificada, de uma hora para outra, vítima de uma epidemia ou de um brutal autoritarismo?

O autor narra a história de um alto funcionário de banco que é submetido a uma ordem de prisão sem que lhe seja revelada a razão. Os policiais comunicam que não deve cometer o insano atrevi­mento de indagar qual é o fato que gerou o processo, tema que é da única competência do Judiciário. O fato deve ser mantido oculto, sendo uma grave ofensa às cortes superioras pretender tomar co­nhecimento dele.

O bancário consegue perceber pelo menos dois fatos espantosos. O primeiro: foi decretada a sua prisão, mas os policiais não o levam preso. O segundo: os policiais furtam as suas roupas íntimas.
Durante toda a narrativa, o bancário procura o apoio de advo­gados e até mesmo de uma autoridade religiosa, que o advertem que pare de indagar qual é a razão de seu processo. Todos ressaltam que este comportamento irá pesar contra a sua defesa, pois não cabe ao réu investigar a própria conduta. Ele está atropelando as regras básicas do Poder Judiciário. Somente as autoridades públicas podem exercer a competência de investigar o réu. Nunca ele mesmo que, durante todo o processo deverá ficar de “bico calado”.

Numa tarde, encerrando o seu expediente, o bancário ouve gemidos vindos do fundo do corredor. Procurando saber a origem, descobre que numa sala vizinha um carrasco está espancando os policiais que inicialmente o prenderam.

Qual é a razão do espancamento? Os espancados, que logo o reconhecem, chorando informam que estão sendo submetidos à tortura porque ele, o bancário, havia comunicado às autoridades superiores que haviam subtraído suas roupas íntimas no momento de sua prisão.

Que não seja por isso, diz ele ao carrasco, pare de espancar estes ho­mens, a subtração de minhas peças íntimas não tem o peso de levar os ladrões à tortura. Não posso crer que uma autoridade judiciária possa condenar funcionários à tortura apenas pela subtração de peças íntimas de um réu. Ainda que eu seja convertido em vítima após ser réu.

O carrasco imediatamente lhe dá uma resposta conclusiva cheia de inconclusões.
“Não paro de espancar por duas razões”.

“A primeira: bem sei que o senhor quando for novamente ouvi­do pelas autoridades superiores, acabará dizendo que desobedeci às ordens do juiz, parando de chicotear, colocando-se acima do Poder Judiciário. Imediatamente, será expedida ordem para que outro carrasco venha me espancar”.

“A segunda: eu sou pago para bater, então eu bato”.

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