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O Uruguai e sua Literatura (6): O Amor em Mario Benedetti (3)

Tomando a literatura latino-americana contemporânea de Mário Benedetti como objeto de estudo do tema Amor, é a percepção pessoal do autor a mediadora da realidade, transformando-a. Em outras palavras, para Benedetti, a realidade é transformada pela palavra, logo, pelo autor/artista. Neste contexto, Benedetti traz em sua obra uma representação social do Amor e suas percepções e experiências sobre o mesmo. Compromissado com a subjetividade de suas persona­gens, tanto em prosa quanto em poesia, Benedetti foca o Amor nos relacionamentos e nas dificuldades rotineiras das vidas que retrata. Na esteira disso, também as frustrações, as traições, os rompimentos, as perdas (momentâneas ou definitivas, por se­parações ou mortes), as desilusões e as reilusões, quando do en­contro de um novo amor, são por ele pontuadas. Cabe aqui um importante detalhe: contrariando a herança literária europeia, na qual os amantes geralmente são belos, fortes e corajosos, em Benedetti, não só estes, mas, também, os feios, os fracos e os medrosos também amam, e devem ter seu sentimento amoroso respeitado como os primeiros os têm.

Descrevendo, em sua obra, conflitos desencadeados pelo Amor em pessoas comuns, o autor observa fregueses do comércio, usuários de transportes públicos, cidadãos pagando contas, senhoras e moças atuando na limpeza diária das casas e outros para refletir sobre os efeitos de um amor em suas vidas. Nessas reflexões, aborda os que se reinventam, quando apaixonados, e os que choram por seus amantes, ou objetos de amor profundo os mais diversos, quando estão sozinhos e não podem ser vistos e recrimi­nados, a saber, quando a caminho do trabalho ou enquanto cuidam de seus pais, irmãos, filhos e outros. Em Benedetti, a idade, o corpo belo e saudável e a situação financeira não são imprescindíveis ao amor. Nele, pelo contrário, todos, indistintamente, podem amar e serem objetos de desejo e de amor de outra pessoa. Um exemplo?

Em sua obra “La Tregua”, de 1963, o diário de sua personagem Martín Santomé, homem de 49 anos, viúvo, com três filhos, funcionário público, prestes a se aposentar, traz a anotação de o mesmo estar apaixonado por uma nova funcionária da repartição, Avellaneda, de 24 anos, por ele amada até a morte da mesma, “Avellaneda tem algo que me atrai. Isso é evidente, mas o que é?”. Tal sentimento amoroso desencadeia as reflexões do persona­gem, fazendo-o sentir-se sujeito novamente, bem como, o ajuda na pon­deração de seus problemas e incertezas. Em outras palavras, é o Amor que lhe devolve o próprio prazer de viver. Nesse diário, inquietações e dúvidas de Martín o revelam confuso, inseguro e algumas vezes muito insatisfeito, “Às quatro da tarde me senti, de repente, insuportavelmente vazio. Tive que pendurar o casaco de alpaca e avisar no Departamento de Pessoal que eu precisava passar pelo Banco República para resolver aquele assunto do capi­tal de giro. Mentira. O que eu não suportava mais era a parede em frente ao meu escritório, a horrenda parede tomada por esse calendário com um mês de fevereiro dedicado a Goya”.

Por sua vez, na obra ¿Quien de nosotros?, Benedetti retrata o amor na perspectiva do outro, tentando compreender o que o(a) parceiro (a) sente, tentando, assim, justificar atos e frustrações, “A verdade é que ela e ele sempre foram semelhantes, eram unidos pelo interesse pelas coisas – ainda quando discu­tiam agressivamente, ainda quando se escondiam em longos silêncios – e seguiam mantendo essa espontânea coincidência que mantinha todos os outros (os objetos, os amigos, o mundo) de fora, sem pretensões”.

A lenta passagem do tempo, em ambas as obras, revela, sobre Martín, que a ausência de mais de vinte anos de sua esposa Isabel o martirizava até a chegada de Avellaneda. Chegada, esta, que traz uma “trégua” (o que justifica o título da obra), à solidão do protagonista. Mas a morte prematura de Avellaneda interrompe isso. Em ¿Quien de nosotros?, Miguel, tal qual D. Casmurro, de Machado de Assis, convive com a suspeita, quase certeza, de que a mulher, Alícia, ama, verdadeiramente, o amigo Lucas, desde quando ela e o amigo eram adolescentes. E quando ela, passados anos de casamento com Miguel, decide procurar Lucas, o fato de este a estar esperando, con­firma a relevância do amor na vida das pessoas na visão de Benedetti. Em ambas as obras a perda, seja por morte ou por frustrantes anos vividos longe de quem se ama, é elemento crucial.

Tratando do mesmo tema Amor, direta ou indiretamente, em outras de suas obras, a saber, “Esta mañana y otroscuentos (1949)”, “Despistes y Franquezas (1989), “Primavera Con Una Esquina Rota (1982), “El amor, las mujeres y la vida (1995) e Adioses y Benvenidas (2005), é em sua poesia que o tema aparece com maior recorrência. Sua obra, portanto, põe em foco o íntimo dos seres humanos, com seus modos claros ou estranhos de amar e de serem amados. Uma tentativa, certa­mente, comprometida de retratar a vida de maneira crítica e metafórica.

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