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Viva Aracy de Almeida

Vários mitos, lendas e histórias verdadeiras e engraçadas cercam a vida de Aracy de Almeida, uma das maiores cantoras da MPB. Ela se tornou uma das grandes intérpretes de Noel Rosa, mas sua arte foi além de Noel, gravando praticamente todos os grandes compositores da épo­ca de ouro do samba, tais como Ary Barroso, Assis Valente, Custódio Mesquita, Wilson Batista, dentre outros.

Sobre Noel, a cantora conta assim o seu primeiro encontro e relação com Noel: “Quando fui cantar no rádio pela primeira vez, levada por Custódio Mesquita, ao passar na varanda da Educadora, vi Noel. Estava sentado e ali continuou. Não deu bola nenhuma pra mim. Quando terminei de cantar ao microfone ele se aproximou: ‘Gostei muito, você cantou muito bem. De onde você é?’ Fizemos logo uma boa camarada­gem, pois ele foi logo me convidando: ‘Vamos até a Taberna da Glória tomar umas cascatinhas?’ Fui. Lá encontramos com uns amigos dele, uns malandros chapados. Ficamos lá até tarde. Noel então me trouxe em casa em um ônibus da Viação Brasil. Já eram mais de 4 horas da manhã quando chegamos no Engenho de Dentro.

Viemos a pé até o Encantado. Bateu na porta de casa e, quando mamãe abriu, ele falou: ‘Vim trazer sua filha aqui’. Apresentei: ‘Este é o Noel Rosa’. Nesta noite ele marcou um ensaio para me dar algumas músicas. No dia seguinte, fui à casa de Noel. E daí em diante passei a conhecer com ele os piores lugares do Rio de Janeiro. No rádio, havia gente que franzia o nariz diante de nós. Éramos tidos como gente que não prestava. Noel não tinha então muito cartaz. Me lembro dele, um dia, vestindo uma capa minha, botando um chapéu meu e rebolando na rua, implicando com todo mundo. Íamos sempre comer sardinhas na Lapa onde fazíamos chacrinha. Mas vamos botar as cartas na mesa: entre mim e Noel nunca houve coisa nenhuma”.

Contrariando as más línguas e os preconceituosos de plantão, que jul­gavam Aracy como se fosse uma punk homoxessual, que só falava besteiras e palavrões no Programa de Calouros do Sílvio Santos, ela teve vários relacionamentos amorosos até o final de sua vida na década de 1980.

No final dos anos 1930, Aracy dividiu o travesseiro com o goleiro do Vasco da Gama, time do seu coração. Ela mesma atestou, num formu­lário da Previdência, aos 25 anos: “estado civil, casada; nome do esposo: José Fontana”. Conhecido como Rey, o goleiro disse que, certo dia, em casa, começou a encerar o chão para se exercitar – Aracy estava fora – quando batem à porta. Ele atendeu e deparou com o incansável e pouco confiável David Nasser, que queria mostrar uma música para a cantora.

O jogador, que foi também goleiro da seleção, disse que se o compo­sitor encerasse toda a casa, Aracy gravaria a música. Nasser empunhou o vassourão e, em duas horas, o chão brilhava. Quando chegou em casa, Aracy se surpreendeu com o belo trabalho. Rey contou a história, defendeu Nasser, e Aracy gravou “Com razão ou sem razão”. O amor é realmente lindo, mas tem seus altos e baixos. O compositor Pedro Caetano diz que, quando Aracy gravou “Engomadinho” em 1942, um de seus grandes sucessos, ela vinha de uma briga com o namorado.

Durante o ensaio, quando Aracy chegou no pedaço da canção que diz: “O rei do meu amor”, jogou o papel onde estava escrita a letra para o alto, parou de cantar e gritou: “Não gravo mais essa merda. Não quero dar cartaz àquele pilantra. Ou muda tudo agora, ou até amanhã”. Pedro Caetano teve que reformular o final da letra. A emenda saiu, no caso, melhor que o soneto: “A chave que abriu a liberdade para o meu coração cheio de dor está na voz e na simplicidade deste seresteiro que é o meu amor”.

A palavra matusquela, que Aracy usava constantemente no Programa de Calouros do Sílvio Santos, onde ela foi jurada por muito tempo, significa doido, aquele que não é bom da cabeça. No caso da Aracy, ela era original, autêntica, com uma inteligência diferenciada, uma pessoa muito além da sua época, genial e incompreendida pela maioria, e nesse país, pessoas com essas raras qualidades, são sempre taxadas de matusquelas.

Salve Aracy, maravilhosa rainha dos parangolés!

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