Ramon Faustino é o representante legislativo do Coletivo Ramon Todas as Vozes na Câmara de Ribeirão Preto. Em sua primeira legislatura ele disputou as eleições pelo PSOL junto com oito co-vereadores: Anita Silva (líder comunitária e costureira), Márcia Rubiano (fisioterapeuta), Sheila Brandão (comunicadora e fotógrafa), Flávio Racy (artista e produtor cultural), Patrícia Cardoso (professora), Jéssica Romero (jornalista), Viviane Silva (advogada) e Mileide Melo (cientista social e professora). Foi eleito com 2.744 votos.
Pedagogo, Ramon atuou como professor do ensino fundamental na rede pública de educação e iniciou sua militância há cerca de 10 anos, no movimento estudantil e de juventude da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto. Em entrevista ao Tribuna o Coletivo falou sobre suas prioridades no parlamento municipal e sobre esse novo modelo de atuação parlamentar.
O sistema Mandato Coletivo não é reconhecido oficialmente no Brasil pela legislação eleitoral.
Tribuna Ribeirão – Esse é o primeiro mandato parlamentar do Coletivo. Como vocês avaliam a eleição do mandato nas eleições municipais do ano passado?
Coletivo Ramon – Entendemos que nossa eleição é a resposta da população pela necessidade de renovação política na Câmara. Nesse sentido, podemos apontar dois aspectos principais: a representatividade do nosso coletivo e da nossa proposta política. Nosso mandato é formado majoritariamente por pessoas negras e por mulheres, com um corpo técnico diverso, com experiência de militância em várias áreas e com um professor como representante legislativo. Nossa campanha trouxe a periferia para o centro do debate e pautou as necessidades cotidianas de quem utiliza os serviços públicos e vivencia a falta de acesso a direitos e à justiça social. Fizemos uma campanha de baixo investimento financeiro, mas conseguimos nos comunicar com as pessoas e gerar identificação. Portanto, acreditamos que nossa eleição é resultado não só de nossa construção política e histórica de atuação na cidade, mas também da necessidade da população por novos modelos políticos, lideranças e de uma atuação pautada no diálogo direto com as pessoas.
Tribuna Ribeirão – A pandemia do coronavírus mudou o jeito de se fazer campanha em função do distanciamento social. Como o Coletivo fez para chegar ao seu eleitorado?
Coletivo Ramon – Todas as atividades que requeriam encontro presencial foram adaptadas e redirecionadas a um público menor do que o inicialmente previsto, como foi o caso das rodas de conversa para discutir temas como cultura, educação e feminismo negro. Optamos por fazer visitas casa a casa para conversar sobre nosso programa de mandato e compartilhar material de campanha. E apesar de sermos um coletivo de nove integrantes, nosso esforço para dar volume à campanha não teria sido vitorioso se não tivéssemos apoiadores voluntários e uma estratégia de divulgação nas redes sociais, responsável por nos comunicar com grande parte do nosso eleitorado, mesmo não tendo feito nenhum post pago durante a campanha.
Tribuna Ribeirão – O mandato coletivo é algo novo na política ribeirão-pretana. Ter oito co-vereadores dificulta ou facilita o trabalho parlamentar?
Coletivo Ramon – Acreditamos que os parlamentos devem representar a democracia como um espaço coletivo e de participação popular. Acreditamos que a atuação coletiva busca ampliar os espaços de participação, de decisão e poder, compartilhando entre os co-vereadores a co-responsabilidade em definir um projeto de cidade que contemple as necessidades das pessoas.
O acompanhamento e construção de políticas públicas e as lutas por direitos sociais ganham força com a atuação coletiva, uma vez que entre nós possuímos diferentes experiências, vivências e atuação reconhecida em diferentes áreas. Essa estrutura tem otimizado o trabalho parlamentar, garantindo a representação da população junto ao legislativo, o que tem aumentado a interlocução e o diálogo da população com a Câmara e Prefeitura.
Tribuna Ribeirão – Quais serão as prioridades neste mandato?
Coletivo Ramon – Nossos pilares de atuação são educação, saúde, mulheres, questões raciais e a cultura. Isso vem nos direcionando antes mesmo de sermos eleitos, pois são campos de nossa atuação na cidade. No entanto, diante do cenário atual de pandemia, nosso trabalho nas áreas de saúde, combate à fome e educação têm tido um grande peso em nossa rotina. Temos trabalhado para diminuir os impactos da pandemia na vida da população mais pobre.
Tribuna Ribeirão – Vocês foram eleitos pelo PSOL, um partido que não faz parte da base do governo municipal. Qual é a postura mantida em relação à administração Duarte Nogueira?
Coletivo Ramon – De partida, nossa postura em relação ao Executivo e sua base na Câmara de Vereadores é de avaliar o conteúdo dos projetos que propõem, observando sua capacidade de atender às necessidades da população da cidade, que vão desde educação, saúde e moradia à cultura, o direito à cidade e a democratização da participação política. O principal eixo orientador do nosso mandato, o qual reflete a atuação dos mandatos do PSOL em nível nacional, é colocar no centro do debate, setores da cidade que tradicionalmente estão às margens. É fato que nosso mandato e o nosso partido se colocam como oposição, principalmente ao modelo de gestão pública que a atual administração representa, mas para desempenharmos uma boa atuação na Câmara é necessário realizar o debate caso a caso, analisando o que de fato atende às necessidades da população que representamos. Por isso não somos oposição pela oposição, mas uma oposição consciente do papel que desempenhamos e a quem representamos.
Tribuna Ribeirão – Qual o perfil dos seus eleitores?
Coletivo Ramon – Aquele eleitor que busca mudanças e representatividade! Somos um mandato que atua focado nas pautas de periferia, mulheres, negros e negras, cultura, saúde e educação e em um modelo não tradicional de atuação política horizontal entre estes setores e entre os seus representantes dentro da nossa construção coletiva. Nossa campanha apresentou esta proposta desde o início e nossos eleitores, espalhados por diversas regiões da cidade, corresponderam ao que apresentamos como modelo inovador de atuação dentro da câmara municipal por, assim como nós, também buscarem uma nova forma de representatividade política.
Tribuna Ribeirão – A pandemia tem atrapalhado o exercício do trabalho parlamentar?
Coletivo Ramon – As restrições quanto à circulação de pessoas são medidas de segurança fundamentais nessa crise sanitária que vivemos. Sendo assim, nós respeitamos isso e buscamos maneiras de adaptar nosso trabalho junto à população. Para superarmos esses desafios, estamos realizando nossas atividades de forma remota, garantindo que a população seja ouvida e representada (principalmente pela atuação das nossas co-vereadoras externas, que atuam nos territórios), o que tem gerado bons resultados. Além disso, temos trabalhado bastante para que os direitos básicos como saúde e segurança alimentar sejam garantidos à população, com fiscalizações e projetos junto à Câmara de Vereadores.
Tribuna Ribeirão – Considerando que o mandato possui um professor como representante legislativo, além de outras co-vereadoras da área da educação qual o principal problema da educação municipal?
Coletivo Ramon – A educação municipal possui muitos problemas. Nosso mandato identifica que as políticas educacionais precisam ser elaboradas com a participação da comunidade escolar, o que compreende os professores, funcionários, diretores, pais e alunos. Construir processos de gestão democrática e de escuta dessa comunidade promoverá um grande avanço na qualidade de nossa educação. Entre os diversos problemas de nossas escolas e da rede municipal de educação, apontamos a questão da gestão e organização escolar.
Duas reivindicações relacionadas à gestão escolar e pedagógica que são transformadoras para a escola pública são a criação do cargo de coordenador pedagógico para a Educação Infantil e a criação de um sistema de escolha de diretor de escola eleito a partir da comunidade escolar. O coordenador para a Educação Infantil apoia a gestão, os professores e promove a formação continuada dos profissionais. O diretor de escola eleito pela comunidade escolar e não mais indicado, tem mais legitimidade, apoio e respaldo quando é eleito por toda a comunidade escolar.
Tribuna Ribeirão – É possível fazer com que os alunos recuperem as perdas causadas em sua formação em função da suspensão das aulas presenciais na rede municipal há mais de um ano?
Coletivo Ramon – Neste momento não é possível o retorno das aulas de forma presencial. Nosso mandato defende a educação remota e que a escola se dedique a apoiar as urgências assistenciais das famílias dos alunos e da comunidade. Em um segundo momento, apenas com a diminuição do contágio por covid-19 e diminuição das mortes na pandemia juntamente com testagem em massa é que nos voltaremos para a recuperação da aprendizagem. Só depois da mínima melhora da pandemia será possível construir um ensino híbrido, com turmas reduzidas, com cumprimento de protocolos sanitários para o retorno com maior segurança e proteção aos alunos, professores e funcionários. Além das questões de saúde, é necessário garantir acesso à internet aos alunos e professores, compra de chips e a construção de um processo de recuperação da aprendizagem centrado nas dificuldades de cada aluno e ano/série.
Tribuna Ribeirão – Em relação ao combate ao coronavírus, que avaliação vocês fazem da administração municipal?
Coletivo Ramon – Nós entendemos que não existe um programa para controle da pandemia e de assistência principalmente para a população que depende do atendimento do SUS. A Organização Mundial da Saúde (OMS) é bem clara no tocante às ações que devem ser feitas por governos em todos os níveis. A efetividade do isolamento social depende de campanhas de informação e da renda emergencial. Analisamos que o lockdown feito em nossa cidade foi problemático e insuficiente, pois faltou preparação prévia, amparada por uma política de renda emergencial e com informação precedente de data para início e fim, além de abertura gradual e com testagem em massa. Acreditamos que nenhuma ação será efetiva sem muito planejamento e gerenciamento de comissão de cientistas que estão estudando este vírus.
Tribuna Ribeirão – E que avaliação o Coletivo faz do presidente Bolsonaro e do governador João Dória na condução das ações contra ao coronavírus?
Coletivo Ramon – Como dissemos na pergunta acima, temos que ouvir a ciência neste momento. Infelizmente, no Brasil, o governo federal deu mau exemplo, discursando contra o uso de máscaras e a vacina, por exemplo, e defendendo a imunidade de rebanho, mantendo um discurso equivocado do que seria a “preservação da economia”. Afinal, o descontrole perante à pandemia gerou ainda mais caos econômico. O governo estadual, em uma aposta para assegurar votos para 2022, buscou a vacina contra a covid -19. No entanto, nos dois casos as iniciativas mostraram-se insuficientes para o controle da pandemia. Em nossa avaliação ambos erraram no cuidado à população. Vivemos um dos piores períodos do país, que combina uma crise sanitária e econômica.