Está instalada a CPI da Pandemia. A Comissão Parlamentar de Inquérito constitui um extraordinário órgão fiscalizador, que tem os mesmos poderes da investigação judicial. Ela investiga o Poder Executivo e a administração indireta em vários aspectos, mas o primeiro dever que se atribui ao Congresso Nacional é o de fiscalizar.
É praticamente impossível ignorar que todos os governos, após a redemocratização, foram submetidos à investigação desse tipo, através desse valioso instrumento parlamentar, quando não termina em pizza.
Um exemplo de pizza gigantesca é a CPI do calote da dívida externa, declarado no governo Sarney, cujos responsáveis, para não resolverem nada, mesmo sabendo que Oswaldo Aranha, após a revolução de 1930 reduzira em 50% a dívida externa do país, mesmo com esse exemplo histórico, fizeram de tudo para transferir a sua conclusão e consequências à Assembleia Nacional Constituinte.Votou-se, então, regra transitória que determinou auditoria, para ser realizada em dois anos, com a remessa ao Ministério Público do que se apurasse de ilegal. No entanto, o que se assistiu mesmo foi o maior exemplo de prevaricação coletiva da história parlamentar do país, salvando-se os que se recusaram a engolir tal pizza.
No entanto, essa CPI da Pandemia inicia-se com prova produzida, antes dela, pelo Tribunal de Contas, que é o órgão técnico que auxilia o Congresso Nacional, nos termos do artigo 70 da Constituição cuja dicção é a seguinte: “A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder”.
E, no artigo 71 dispõe que “O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União,…”. O Relatório já anteriormente concluído, como cumprimento de obrigação, já acusa o Ministério da Saúde de ter “alterado documentos para eximir-se de responsabilidade”, praticando “abuso de poder”, “agindo com ineficiência e omissão durante sua atuação na pandemia”.
Pois então. A CPI da Pandemia, nada mais é do que o exercício do dever de fiscalizar do Congresso Nacional, que por simetria é reproduzido nos Estados, Municípios e Distrito Federal, através das respectivas Assembleias Legislativas e Câmaras municipais.
No caso especifico da CPI da pandemia, a Mesa Diretora do Senado Federal se negava a dar sequencia ao requerimento da minoria, que cumpria todos os requisitos previstos na Constituição e no Regimento Interno, deixando-o na gaveta da conveniência política, para não desagradar o governo, temendo o ataque sempre ousado do Presidente boquirroto e das redes sociais ligadas a ele, e por ele incentivadas, na sua função de inflar a cultura do cancelamento e da desordem institucional.
A função dessa cultura – sabe-se – é destruir pessoal, social e funcionalmente que causa desagrado, seja aquele que tenha atitude critica com a qual não concordam, seja aquele que sendo parceiro, de repente, à força da verdade seja impedido de fazer sua opinião coincidir com a do bando do cancelamento, mesmo sendo até então seu integrante.
O governo, na ousada e fingida ignorância da Constituição, apesar de jurada tantas vezes, pretendia incluir na investigação da CPI-Federal cada Estado e cada Município do Brasil, visando pulverizar o fato certo e determinado de sua responsabilidade, que já é notória e pública. Mas, cada Estado e cada Município estão sujeitos ao seu Parlamento e, quanto às verbas federais destinadas a eles, a tarefa de investigar ou conferir sua adequada aplicação é do Tribunal de Contas de cada ente da Federação.
Com isso a ordem do Supremo Tribunal Federal, mandando instalar a CPI, decorreu da sua função exclusiva de guardião da Constituição, que estava sendo violada pela omissão do Presidente do Senado. Simples assim.
Um Parlamento medroso, conchavado em baixo nível de comprometimento, só conspira contra a democracia. O nosso Parlamento tem ficado, em regra, congelando-se, diante de cada omissão do governo, que investe no pior, esperando “o sinal do povo, para agir”.
Frase do presidente, diariamente ameaçador, que significa esperar o tumulto das ruas, o quebra-quebra, o descrédito das instituições atacadas por ele, para aí sim tomar as providencias, que seguramente dariam a ele o ambiente da potencial violência, para melhor “defender a família e os amigos”, como declarou naquela incrível reunião ministerial de abril do ano passado, na qual a seriedade e a responsabilidade social e governamental estiveram ausentes, para emergir a vergonha, nacional e internacional.