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Discussões estéreis não curam

No primeiro semestre de 2020, poucos meses após a pandemia da covid-19 ser decretada pela Organização Mundial da Saúde, escrevi um artigo motivado por uma reflexão interna e fiz até um desabafo. O título: Entre achismos, certezas e incertezas. Nele, resumi meu sentimento em relação ao cenário pandêmico em que vivíamos com a emblemática frase do filósofo Sócrates: “Só sei que nada sei”.

Lá se vai um ano e meu sentimento continua o mesmo. A cada dia que passa, a cada artigo que leio, a cada telejornal que assisto, a cada um dos milhares de mensa­gens de whatsapp que recebo, vejo mais achismos, informações desconexas, muitas incertezas e poucas certezas. Uma certeza indiscutível é a sensação de que “atraves­samos um luto coletivo”.

Coloco entre aspas porque essa frase foi tirada de uma carta aberta publicada no jor­nal O Estado de S. Paulo, no dia 31 de março, por um respeitado empresário do ramo do entretenimento. Carta essa na qual comunicava o fechamento da maior casa de espetá­culos da América Latina, localizada em São Paulo, e também prestava uma homenagem merecida aos artistas.

Choramos e estamos enlutados junto com os familiares e amigos das quase 350 mil pessoas que morreram vítimas da covid-19. Não tem como não sentirmos essa dor, mes­mo porque muitas delas, inclusive, são nossas amigas, parentes e centenas de conhecidos. Além dos mortos-mortos, estamos em luto também pelos milhares de mortos-vivos que essa pandemia deixou, em número superior aos falecidos.

Pessoas sem emprego, sem condições de comprar o básico, aumento de moradores de rua, empresas tradicionais fechando as portas, pessoas morrendo em casa de outras doenças porque têm medo de ir até um centro de saúde, tratamentos e diagnóstico de câncer interrompidos, aumento de pessoas com doenças psiquiátricas.

Milhões de cirurgias sendo canceladas porque os hospitais estão sobrecarregados com os atendimentos de covid-19. Sem contar que tudo isso nos desestabiliza emocional­mente, uns mais outros menos, mas quem não está com o emocional abalado é porque não está muito são. Enfim, isso dá uma discussão enorme.

O isolamento social, o uso de máscaras, a higienização das mãos são formas de prevenção. Mas como é possível toda a população fazer isolamento em um país tão desi­gual como o nosso? Claro que falta conscientização de parte da população que continua negando a gravidade da situação, mas ainda sofremos de falta de saneamento básico em algumas regiões. Faltam moradias dignas. Como pedir para moradores de rua higieniza­rem bem as mãos, usarem máscaras e ficarem em casa. Que casa?

Portanto a vacina é a forma real de contenção dessa doença. A vacinação em massa é a nossa única salvação palpável, independentemente do grau de sua eficácia ou se são as ideais ou não. São as que temos. Mas em nosso país o vírus político conseguiu contami­nar até a ciência. Essa contaminação gera desencontros que provocam um verdadeiro caos psicológico nas pessoas que já não sabem mais em quem e nem em que confiar, se sentindo à deriva.

A questão das vacinas foi politizada de tal forma que provocou uma sensação de insegurança generalizada e dualismos dispensáveis em um momento como esses. E tem gente boa dos dois lados. Não temos protocolos bem definidos, cada instituição faz o que pode e o que acredita, dentro de um ambiente insalubre de trabalho por muitas vezes.

Aliás, aqui cabe um adendo para ressaltar a dedicação dos profissionais de saúde que não estão medindo esforços para cuidar de todos da melhor forma possível. São verda­deiros guerreiros. Mas, mesmo com a luta diária deles, estamos deparando com pessoas morrendo por falta de leitos, de remédios, de equipamentos apropriados e por assistência tardia causada muitas vezes por discussões estéreis sobre o melhor tipo de tratamento.

Todos os gráficos e estudos mostram o aceleramento da pandemia no Brasil princi­palmente após a detecção de novas cepas. Isso é absolutamente inexorável. A vacinação está dando uma acelerada, já que em números absolutos estamos em uma boa posição.

Porém poderíamos estar bem melhor. Muitos de nós estamos assistindo a tudo pas­sivamente, outros se organizando em movimentos para ajudar da maneira que podem, com doação de cestas básicas, oxigênio, remédios, e até tentativa para comprar vacinas, a exemplo dos empresários do movimento Unidos pela Vacina, capitaneado pelo grupo Mulheres do Brasil, liderado pela empresária e amiga Luiza Trajano.

Mas isso só não basta, é preciso ação do poder público e das instituições constituí­das, e aqui em Ribeirão Preto, onde moro, percebo a seriedade com que os gestores estão tratando o assunto, respaldados tecnicamente. Mesmo sendo um centro de saúde de uma região metropolitana populosa, até o momento, está conseguindo absorver o aumento da demanda sem colapsar, com a abertura de novos leitos, e ainda reservando uma verba, aprovada pela Câmara, para a compra de 500 mil vacinas. Eu também tenho o privilégio aqui de ter médicos de confiança que me orientam e me ajudam a passar por esse mo­mento de forma mais segura.

Não precisamos concorrer e sim socorrer. E socorrer a nação e não os nossos par­lamentares. Não bastasse a pandemia, agora estamos tendo de enfrentar o desgaste na questão do orçamento anual para 2021, que nada mais é do que uma manobra fictícia para agradar o Congresso.

E quem vai pagar a conta não é o pessoal de “Brasília”, são todos os brasileiros da so­ciedade organizada que pagam seus impostos, mesmo com todas as dificuldades econô­micas pelas quais passamos. Já passou da hora de uma união nacional para eliminar esse vírus político que está prestes a provocar um sepse na nação. Se ele não for eliminado, nossos esforços para combater o coronavírus serão em vão.

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