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Ave, inteligência!

Acontece, seguramente acontece, a leitura antecipada de críticos literários e/ou pesquisadores sobre determinada obra literária, filosófica ou cientifica, objetivando critérios a preparação para a leitura do original dela. A certeza com esse cuidado antecipado é que se ingressa, de imediato, nas entranhas do que se pretende conhecer, auferindo-se muito, jamais tudo, do livro ou da obra posta como um marco na história do pensamento. Se classificado como Clássi­co, certamente, ele se desvenda mais e mais a cada leitura.

Essa é a sensação, lendo esse precioso livro editado pelo Migalhas, sobre Euclides da Cunha -Releitura de um clássico, de autoria do ministro aposen­tado do Superior Tribunal de Justiça-STJ, Sidney Beneti, que como estudante do Instituto de Educação Otoniel Mota de Ribeirão Preto, antigo Gimnasio do Estado, animado pela inesquecível professora Florianete Guimarães, é sedu­zido pelo pensamento escondido pelo estilo, pela gramática, pelo palavreado quantas vezes exigente de dicionário, pela sonoridade das frases de Os Sertões, recheados de intuições euclidianas, obra que abre as portas à prolongada cons­trução da sociologia e das ciências sociais em nosso país, e que, até hoje, não conseguiu se livrar do passivo social da escravidão, muito menos do grande equivoco da guerra de Canudos (nov.1895 a out.1897), acontecido no semiári­do baiano, “o maior escândalo da história do país”, no dizer de Euclides.

Nossas elites deliraram, à época, pensando que a razão política da suposta insurgência daqueles miseráveis era a defesa da Monarquia derrotada pela proclamação da República, quando na verdade a aglomeração, em torno do carismático Antonio Conselheiro, era a entrega do corpo e da alma na crença compensatória da paz e da justiça no Paraíso por vindouro.

O nosso Ministro Sidney Benetti apresenta uma riqueza incomum, nos seus textos, mais e maior à medida que seu tempo histórico avança. Está ela na sequência infindável de autores, desde a antiguidade greco-romana passando por autores estrangeiros e nacionais, numa narrativa fluente, na qual as citações e comparações ocupam a linha natural, que denuncia o humanismo acumula­do e integrado e assumido na alma, projetando-se como prova de saber.
Evidente que seu domínio de várias línguas, alemão, inglês, francês, espa­nhol e a leitura do latim, abriram seu espírito, para exercitar sua profissão de Magistrado com altivez e grandeza moral e humildade, como fizeram dele o primoroso estudioso de Euclides da Cunha e da literatura universal.

É exemplar o fato da inteligência e da sensibilidade do jovem Benetti terem se imantado nessa Bíblia do Nacionalismo (no dizer de José Bonifácio), com fervor igual em toda sua vida, ao espirito desse autor, cuja obra não envelhece (“o renovar­-se de um clássico”), e que traz, apesar de sua idade mais do que centenária, a es­quadria do drama social e político do Brasil, que se estende no espaço e no tempo.

Seguramente, o modelo da exploração é atualizado pela realidade de nossas favelas, no subúrbio de nossas capitais, e na visão transversa de nossas elites, que ajuda o desespero e a indignação de nosso povo, fabricando repentinamen­te um suposto “mito”, um Conselheiro, que recomenda cloroquina, tratamento precoce, diante da calamidade do covid-19, como um curandeiro, e que não organizou a coordenação nacional, nem mesmo planejou a compra de vacinas para prevenir o estrago sanitário, dedicando-se a desestruturar a estrutura do Estado brasileiro, com o desemprego crescente e a miséria aumentando seus tentáculos. E contribuindo para desmoralizar o nosso exemplar sistema nacio­nal de vacinação, que até então era exemplar.

Quando o caricato Conselheiro da atualidade se sente inseguro, invoca o livro sagrado, os crentes em preconceitos, procura um fantoche como objeto de ataque, elege-o como se inimigo real ele fosse, e larga a verborragia do ódio e da guerra, invocando as armas, sempre as armas, no seu estribilho de morte de pessoas e Instituições. Lá, no antigamente, os crentes entregavam o corpo, a alma e os pertences, usufruindo da produção coletiva. Atualmente está se plantando um “salve-se quem puder”, para os crentes e não crentes, num Brasil isolado, como se fosse inimigo do mundo.

Hoje, o Brasil continua, mais gravemente, batendo a cabeça nas paredes da história à procura de sua identidade. É a maldição de Canudos, porque foi um crime, no dizer de Euclides.

Ave, Sidney Beneti!

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