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Dois oradores

Em 1961, na antevéspera da renuncia de Jânio, Carlos Lacerda , governador da Guanabara, excepcional tribuno, apelidado de “Corvo”, pois, pregador de golpes mais recentes daquele período, estava no auditório do Canal 9 da Capital de São Paulo, com a turma da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco na plateia, fazendo a recepção, e gritando – “Corvo, Corvo, Corvo”, e ele respondia pelomi­crofone – “Venham, Venham, Venham, analfabetos da democracia, aprender o A,B,C da Liberdade”.

Ele fora a voz da acusação virulenta com Getúlio, e na tragédia da Rua Toneleiros, em que morre o major Vaz da Aeronáutica. Ele foi atingido por uma bala, que poderia ter sido a do revolver do próprio Lacerda, que sempre se recusou entregá-lo à pericia policial. Assim foi virulento com Juscelino, virulento com Janio, virulento com Jango.

Depois de ser o pregador do golpe de 1964, esperando a gratidão dos militares, foi cassado, tendo depois procurado seus adversários, no exilio, para que formassem uma Frente Ampla, contra o governo militar. Foi ao Uruguai para falar com Jango, foi para Paris, falar com Juscelino. Ela não prosperou. Brizola a impugnou.

Mas, indiscutivelmente, Lacerda era um excepcional orador, que da tribuna confrontou brilhantemente com o baiano Vieira de Melo e com o amazonense­-paulista Almino Affonso.

Na seleta de seus Discursos Parlamentares (editora Nova Fronteira) está registrada à singela declaração de voto, proferido na sessão de 22 de abril de 1957, em nome da União Democrática Nacional (UDN), no projeto de lei de autoria do deputado paulista Rogê Ferreira, que doou o prédio situado à Praia do Flamengo nº 132, no Rio de Janeiro, à União Nacional de Estudantes-UNE.

E considerando o que aconteceu historicamente com essa sede, escutemos o que está escrito em tal declaração de voto: “A União Nacional dos Estudantes, vanguarda que tem sido, esclarecida e entusiasta das grandes causas cívicas na­cionais, foi, sem dúvida, a pioneira da posição do Brasil ao lado da causa aliada na Segunda Guerra Mundial”. Foi esse imenso patrimônio imaterial que o Golpe de 1º de abril de 1964 destruiu, com o fogaréu incentivado pelos seus sequazes.

Mas era um retórico excepcional.

De outra lado, e atualmente no cenário sócio-político institucional, está o brilhan­te verbo de Ciro Gomes, analisando desde o primeiro momento o desgoverno implanta­do no país, que não conseguiu formular uma só medida para possibilitar maior receita pú­blica, capacidade de investimento público, parceiro eventual do investimento privado, e que de país soberano preferiu oferecer-se como vassalo à potencia estrangeira.

Seu isolamento internacional iniciado, lá trás, com a queimada da Amazônia e o enfraquecimento dos órgãos de fiscalização, entremeado com afronta até a mulher do governante francês, para ficar só nisso como exemplo, repousa agora na vergonha crescente da crise sanitária, transformando rapidamente o país num objeto ora de chacota, ora de lamentação, ora de perplexidade, internacional.

Ciro Gomes, incansavelmente, é vigoroso e firme em colocar o bisturi nessa ver­gonha ética e antinacional, praticada impunemente pela liderança de nosso Presiden­te-curandeiro, que já cometeu tantas violações contra a Constituição, jurada pelo seu cumprimento formal da investidura do cargo, testando a resistência das instituições democráticas, diante da ousadia furiosa da vocação autoritária ou fascista.

Ciro diferentemente de Lacerda conhece o Brasil, estudioso de história e econo­mia, visão geopolítica, traz consigo a experiência administrativa de prefeito, governa­dor, Ministro da Fazenda, deputado, e diferentemente avança e circula pelo diagnóstico da grave situação econômica, sanitária e institucional do país, e diferentemente apresenta à discussão democrática as vertentes para que o país saia dessa situação, que ninguém, hones­tamente, pode acreditar que nela entramos pelo voto livre, ainda que o povo estivesse indignado, revoltado como estava. Realidade inconcebível! Mas realidade…

Seu livro Projeto Nacional: O Dever da Esperança é o ultimo mas não é o único, traz essa contribuição extraordinária à reflexão, que precisa ser feita de ma­neira coletiva, para que uma consciência organizada, sem ódio e sem preconceitos, e sem distancia de qualquer força de representação social, possa articular a teoria e a prática do Brasil, soberano, livre e democrático, a caminho para sua redenção.

Sua pregação, didática, continua a vertente trabalhista de Getúlio Vargas, atualizando-a pela força da realidade dos tempos atuais, interna e externamente.

Ciro Gomes é um grande e competente orador. Carlos Lacerda era um grande e competente orador, ambos com força persuasiva pregados na cultura politica de seu tempo. Ciro voltado ao compromisso com as forças plurais da democracia real a ser criada, Lacerda compromissado com as forças con­servadores do liberalismo formal, que desde a década de 1950 se dedicou a derrubada de Presidente eleitos pelo voto popular.

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