Começou o Outono no Hemisfério Sul. Este ano, com um tom diferenciado, uma vez que, no Brasil, a estação sofre influências diretas do fenômeno La Niña. E, com ela, a produção agrícola brasileira.
O fenômeno La Niña é um evento climático que ocorre quando as águas do Oceano Pacífico esfriam, desencadeando em uma sucessão de efeitos climáticos nas cinco regiões brasileiras. “É um evento climático natural oceânico-atmosférico caracterizado pelo resfriamento anormal nas águas superficiais do Oceano Pacífico Tropical. Em período de atuação, modula o regime pluviométrico do Brasil, por alterar a circulação atmosférica que atuam sobre o país”, detalha o meteorologista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Leydson Galvíncio Dantas.
“Vale ressaltar que o La Niña não é, por si só, determinante. Ele potencializa os fenômenos, mas com outros fatores, como a temperatura do [Oceano] Atlântico, que pode influenciar [o clima] em direção oposta”, complementa o meteorologista Mozar Salvador, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
Segundo os pesquisadores, em anos de La Niña, as regiões Norte e setor norte do Nordeste apresentam aumento na frequência e volume das chuvas durante o verão. Já nas regiões Sudeste e Sul, faz o contrário: diminuição de chuvas com as temperaturas elevadas e o clima seco.
Na região Centro-Oeste, o que se costuma observar são atraso da pré-estação chuvosa e diminuição da atuação da chamada Zona de Convergência do Atlântico Sul, sistema que é o principal responsável pelas chuvas de janeiro e pelos avanços de frentes frias, país adentro.
Para a população em geral, o fenômeno é percebido como pouca chuva nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul; e muitas chuvas na região Norte e em parte do Nordeste.
Já para quem extrai, da terra, o sustento ou um negócio, há muito mais coisa envolvida.
Produção agrícola, La Niña e El Niño
Para o produtor rural, tudo tem sua hora. Não dá para plantar soja antes de a chuva começar. E se atrasa, atrasa a colheita, atrapalhando o planejamento que se fez para a terra e para as plantações subsequentes.
“A percepção dos agricultores é de que esses fenômenos estão cada vez mais frequentes, e que o clima está cada vez mais difícil de ser interpretado dentro dos parâmetros que se tinha, em termos de plantio e de colheita. Eles dizem que as estações têm se alterado, e que essas mudanças têm ocorrido de forma muito rápida”, detalha o coordenador de produção agrícola da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Maciel Silva.
Essa frequência cada vez maior de eventos climáticos no Pacífico, citada pelo engenheiro agrônomo, abrange, além do La Niña, o El Niño, fenômeno climático inverso no qual, em vez de águas frias, é observada a presença de águas superficiais quentes no Pacífico.
Capacidade de adaptação
“Por outro lado, as adaptações dos produtores a essas situações também têm ocorrido de forma bastante rápida. Muito disso se deve ao fato de o Ministério da Agricultura e a Embrapa desenvolverem estudos sobre zoneamento agrícola e risco climáticos, onde avaliam diferentes culturas e localidades, para então definir o intervalo ideal de uma cultura”, complementa o coordenador da CNA.
Ele explica que ao definir áreas e períodos específicos para o plantio – e atrelar a isso condicionantes para a obtenção de benefícios como o seguro rural –, as regras de zoneamento fazem com que o produtor esteja “dentro de uma situação padrão com margem de risco mensurável, já que envolvem seguradoras”.
Com a repetição dos fenômenos nas águas do pacífico, esse “risco mensurável” está cada vez mais estudado e entendido. “É algo que está sempre sendo discutido, uma vez que, sendo alterada a percepção, altera-se também as políticas públicas, porque a nova realidade passa a ser considerada”, explica Maciel Silva.
Segundo ele, a agricultura evoluiu muito, e a tendência é de que os produtores usem cada vez mais mecanismos de gestão de riscos, com contratos mais detalhados que incluem seguros e questões ligadas à gestão da propriedade. Tudo isso tem amenizado os efeitos negativos relacionados a riscos.
“Os produtores têm buscado meios para se protegerem, buscando alternativas contratuais e seguros. Essas são ferramentas que ajudam bastante e, por isso, têm sido cada vez mais utilizadas. Não se tem controle sobre o clima. O que se faz, portanto, é a mitigação de risco, trabalhando com ferramentas de gestão de riscos”, complementa.
Atentos ao clima
De acordo com o Superintendente de Informações da Agropecuária da Conab, Candice Mello Romero, “são diversas as variáveis que podem afetar a produtividade da cultura”. Entre elas, solo, tipo de semente, manejo e pacote tecnológico, além das condições climáticas.
A Conab tem de estar atenta às condições e aos fenômenos climáticos, para melhor cumprir a missão que tem com estoques e abastecimento dos produtos agrícolas do país. Segundo Candice, os riscos relativos ao clima sempre estarão presentes nos cultivos agrícolas.
Com relação aos próximos meses e à influência do La Niña na produção brasileira, ela explica que, segundo o “multimodelo de previsão” utilizado pela companhia, a probabilidade de o fenômeno La Niña terminar nos próximos meses está em 55%, “dando início a fase de neutralidade no trimestre abril, maio, junho de 2021”.
De acordo com Dantas, do Inpe, de fato vem sendo observado, nos últimos meses, diminuição do resfriamento anômalo das águas do Pacífico equatorial. “Se persistido, será possível verificar condições de temperaturas próximos da neutralidade no Pacífico durante o inverno, ou seja, teremos o término da La Niña. Portanto é fundamental seguir estudando o comportamento dos oceanos tropicais, para que tenhamos o melhor prognóstico climático para os próximos meses”.
Previsões
“Neste outono é esperado persistência do déficit pluviométrico [menor intensidade de chuvas] no Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Além disso, volume de chuvas acima da climatologia em grande parte da Região Norte do país e em algumas localidades entre o litoral do Maranhão e Ceará”, prevê o Inpe.
A previsão de chuvas abaixo do normal no centro e sul do país inclui partes de Tocantins, Bahia, Rondônia, Acre, Mato Grosso do Sul e São Paulo, além dos estados da Região Sul. “Este padrão previsto para as extremidades norte e sul do país refletem a possível modulação do atual fenômeno [La Niña] nas condições climáticas dos próximos meses”, complementa Candice Mello, da Conab.
Para o trimestre março, abril, maio, a Conab trabalha com um cenário onde a “maior probabilidade” é a de chuvas acima do normal sobre a região Norte, em áreas do Mato Grosso, na “mesorregião” do Pantanal no Mato Grosso do Sul, e na faixa entre os estados de Goiás, Minas Gerais e São Paulo.
Produção
“Essas chuvas acima da média que têm sido observadas em MT, GO, MG, SP e parte do Matopiba [região formada por áreas majoritariamente de cerrado nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia] têm afetado o avanço da colheita da soja e o progresso da semeadura do milho segunda safra [nessas referidas localidades]”, detalha Candice.
Por outro lado, segundo a Conab, o menor volume de chuvas observado em março, na Região Sul e parte do MS, tem favorecido a colheita da soja e colaborado para implantação do milho segunda safra. “Registra-se que as lavouras de milho segunda safra têm apresentado um bom desenvolvimento inicial”, acrescenta a superintendente da companhia.
Maciel Silva, da CNA, acredita que o La Niña não afetará a previsão de recorde da produção de grãos no Brasil. No entanto, seus efeitos serão percebidos de forma mais intensa nas produções de café e laranja. E, em menor escala, na de cana-de-açúcar.
“Os cultivos que devem ter efeito direto da La Niña são os localizados no Sul e no Sudeste. Seus danos, em alguns casos, afetarão futuras colheitas. É o caso da laranja, que deve ter uma redução de 30% na safra 2020-2021. Reduzirá também o tamanho da fruta”, disse ele à Agência Brasil.
No caso do café, que enfrentou uma seca forte em outubro e novembro, o efeito do La Niña coincide também com a safra “que será ainda mais baixa por causa dos efeitos climáticos percebidos no ano passado”.
A redução, segundo o engenheiro agrônomo da CNA, pode chegar a 30,5% na produção de café. “Não só pela seca, mas porque a safra já seria menor por causa do efeito da bienalidade da produção (ano de alta seguido de ano de baixa produção). Se a previsão já era de ano de baixa, essa tendência é ainda maior porque coincide com um ano em que temos os efeitos climáticos do La Niña”, justifica.
De acordo com a CNA, a soja foi afetada pelo deficit de chuva no Centro-Oeste, já que o plantio só pode ser feito após o início das chuvas. O efeito dominó, causado por esse estreitamento de janela, acabou atrasando o plantio do milho segunda safra e, em menor escala, do algodão na região.
“Mesmo com o atraso da colheita da soja, os produtores seguem semeando o milho segunda safra dia e noite e estima-se um aumento de área em torno de 6.7%”, relata a superintendente da Conab ao lembrar que, na atual safra, o produtor de milho tem investido no pacote tecnológico devido a liquidez e alta rentabilidade do cereal.
Segundo Candice, o La Niña não alterou a previsão de aumento na produção de soja e de milho. “Mas tudo está ainda no campo da especulação, e dependerá da situação que encontraremos nas próximas semanas”.
A cana-de-açúcar, segundo a CNA, foi prejudicada principalmente pelos incêndios consequentes do clima seco e a falta de chuva mais intensas, em setembro e outubro passados – já causados pelo La Niña.
Edição: Valéria Aguiar