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Elias Andreato abre a cortina do passado

Por Dirceu Alves Jr. – Especial para o jornal O Estado de S. Paulo

Elias Andreato, de 66 anos, pisou pela última vez em um palco, diante de uma plateia disposta a aplaudi-lo, em 14 de março de 2020. Era uma sessão do monólogo Arap, no Teatro Eva Herz. A suspensão das atividades culturais presenciais na sequência, por causa da pandemia do coronavírus, levou o ator e diretor a se exilar em seu apartamento, no bairro de Perdizes. Não levou muito tempo, porém, para que colocasse em prática formas alternativas de se manter ativo.

O primeiro desafio foi entender o funcionamento da linguagem digital e transmitir, direto da sala de casa, uma adaptação do mesmo espetáculo, para um projeto da Secretaria Estadual da Cultura. O estímulo fez Andreato criar nesse conceito o solo Pessoa, em que enfoca a obra do poeta português Fernando Pessoa e, depois de algumas sessões via zoom para amigos, engatar uma temporada remota. “Eu comprei uma webcam, ensaiei com igual dedicação e entendi que, por um período, os meus gestos e a minha voz teriam que se adequar ao tamanho e limitações daquela tela”, afirma.

Resiliência é uma característica de Andreato na vida e na arte. Personagens marcantes de 44 anos de carreira voltaram a permear seu imaginário no isolamento social. Primeiro veio Oscar Wilde, monólogo dirigido por Vivien Buckup em 1997 em torno do polêmico escritor inglês, que gerou apresentação gravada no Teatro Sérgio Cardoso, exibida em outubro e, assim como Arap, disponível no YouTube.

“O texto cabe muito mais nos dias de hoje, em uma sociedade hipócrita, preconceituosa com os homossexuais e capaz de desprezar os artistas, que no final da década de 1990”, diz o ator.

A constatação entusiasmou o produtor Celso Curi e o solo retorna a cartaz em breve, se possível, em sessões presenciais no Centro Cultural São Paulo ou no próprio Sérgio Cardoso. “Pensamos em fazer para, no máximo, quinze pessoas, ou, então, em uma temporada remota”, avisa Curi.

O primeiro trabalho em grupo como encenador no novo formato veio a público em agosto. Com Karin Rodrigues e Chris Couto, a comédia dramática Para Duas realizou ensaios ao ar livre, na área externa da casa de uma das atrizes, e as transmissões se deram ao vivo do Teatro Cacilda Becker.

Radicalmente diferente foi o processo de Diário de um Louco, que estreou no dia 13 na plataforma Sympla, sendo exibido aos sábados e domingos, até o dia 28. Andreato estrelou o texto do russo Nicolai Gogol em 1980, sob o comando de Marcio Aurélio, e se viu dirigindo o ator Rainer Cadete através da tela do computador. Um em São Paulo e outro no Rio de Janeiro, desde a primeira leitura até as marcações de cena.

Durante dois meses, tudo virtual. “É inspirador trabalhar com o Elias, principalmente por ele se renovar o todo momento, e essa distância jamais serviu de limitação”, elogia Cadete, que representa agora o funcionário público esquizofrênico do clássico de Gogol. O cara a cara só se deu nas vésperas da gravação, quando fizeram um intensivo de cinco dias. “Rainer foi muito generoso porque, em alguns momentos, precisei exigir uma interpretação mais enérgica, algo pouco explorado na televisão. Ninguém aguentaria assistir a um monólogo em casa em um tom intimista”, conta o diretor.

Peça consagradora de Andreato, Van Gogh também volta em três fins de semanas, a partir dos dias 21 e 22, sempre às 19h, na plataforma Zoom. O espetáculo teve trajetória de oito anos, foi visto em Nova York e rendeu os prêmios Shell e Apetesp de melhor ator em 1993. Sob a direção de Marcia Abujamra, responsável pela montagem original, o intérprete protagoniza uma versão filmada, rodada em fevereiro, com o apoio de oito técnicos. Andreato ficou receoso de registrar um trabalho tão emblemático, poderia quebrar o encanto de quem se emocionou na época e ainda desapontar aqueles que o possam descobrir agora. Para Marcia, essa preocupação inicial dele se desfez. “Fiquei impressionada como o Elias deu o texto com muito mais energia, rapidez, deixando de lado as pausas tão exploradas no passado”, antecipa ela.

Andreato escreveu Van Gogh em homenagem ao irmão mais velho, o artista gráfico Elifas Andreato, e estabeleceu uma conexão entre as relações deles e a dos irmãos Theo e Vincent Van Gogh, marcadas pela dependência psicológica e financeira. Foi diferente reviver essa história agora. “Eu estou muito mais estruturado emocionalmente. Naquela época, achava que morreria em breve (Elias descobriu logo depois da estreia um grave quadro de hepatite C), amadureci meu vínculo com o Elifas e, apesar de muito mais velho, acho que a minha imagem empresta um peso maior a de Van Gogh”, afirma.

Entusiasmada com o reencontro, Marcia engatou um projeto inédito, O Veneno do Teatro, sobre o seu tio, o ator e diretor Antonio Abujamra, e convidou Andreato para dar vida ao provocador por excelência. “Quando ela me ligou, avisei que era loucura, um erro de escalação”, declara o artista, que teve contato com Abujamra, então diretor, nos bastidores da peça Muro de Arrimo (1975), em que trabalhou como camareiro e contrarregra

Marcia deu de ombros e seguiu em frente na sua intuição. “Sabia que o Elias encontraria o meu tio pelo humor ferino que os dois sempre carregaram”, compara ela. O solo, exibido nos dias 27 e 28 de fevereiro pela plataforma Sympla, deve ser retomado nos próximos meses. E, mesmo depois de um ano sem ouvir os aplausos da plateia – e tampouco com a perspectiva dessa reconexão -, Elias Andreato foge das lamentações.

“Claro que vivemos um período dificílimo, mas atravessei esse ano exercendo minha profissão. Ganhei bem em alguns projetos, pouco ou quase nada em outros, só que tive o privilégio de não ter parado, como grande parte das pessoas”, conclui o ator e diretor, comprovando novamente sua resiliência.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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