O Brasil ultrapassou na última semana os Estados Unidos no número diário de mortes pelo Covid-19. Nosso país se transformou no novo epicentro da pandemia com 30% das novas infecções no mundo em 24 horas. E há quem não acredite nesses números. São os mesmos que acreditam que a terra é plana, que Deus enviou Bolsonaro para salvar a pátria do comunismo e que estes dados são inventados por uma grande conspiração de Pequim.
Em praticamente todo o mundo, os números da Covid-19 vêm caindo. E isso acontecepor causa das medidas duras de distanciamento social adotadas pelos governos e pelo decidido e confiante início da vacinação. No entanto, a tendência do nosso país vai no sentido contrário. Por aqui, as pessoas se aglomeram, dentre outras razões, porque têm um presidente que as incentiva a fazer isso. E porque a vacinação vai a passo de tartaruga, simplesmente por que o Ministério da Saúde não comprou a tempo a quantidade de doses necessária.
Já éramos um pária no contexto internacional por várias razões da nossa história recente, principalmente por causa da destruição ambiental. Agora, a passos rápidos, estamos sendo vistos como uma ameaça global. No final da semana retrasada, o chefe de operações da OMS, Mike Ryan, havia comentado a situação brasileira e indicado que o destino da pandemia no Brasil seria relevante para o mundo. Classificou a crise em nosso país como “tragédia”. Tragédia que já se transformou em uma ameaça global.
Quando o Brasil era apenas um pária, a reação lá fora era de chacota. Agora, que mudamos de nível, os brasileiros passam a ser evitados. Em alguns locais, os comentários vêm permeados de ironias e, às vezes, de uma solidariedade sincera com o que ocorre no Brasil. Em outros, o tratamento vem de forma mais séria. Mas todos com o mesmo sentido: a desconfiança sobre o país é profunda. Mas, no caso brasileiro, a preocupação não se limita às novas características da mutação do vírus. A ameaça que alimenta a desconfiança vem da camarilha que está no poder.
Aeroportos do mundo passaram a tratar qualquer brasileiro como suspeito, enquanto a suspensão de conexões aéreas e fechamentos de fronteiras se ampliam. Há alguns dias, berros das manchetes dos jornais britânicos estampavam uma “caçada” das autoridades da saúdea uma pessoa que estaria com o “vírus brasileiro”. De tanto usar a nacionalidade chinesa para deliberadamente designar a doença, Bolsonaro e sua milícia digital passaram a ter de engolir de seu próprio veneno ao ver o nome do Brasil, agora, qualificar um vírus ainda mais perigoso.
Entre a cúpula da OMS, uma frase é ouvida sempre: “onde estão vocês? onde estão aqueles institutos e compromisso público que transformou o Brasil em referência em saúde pública para todo o planeta?”, lembra Jamil Chade, colunista do UOL. Um dos principais dirigentes da entidade é ainda mais explícito quando foi indagado sobre o que achava de Bolsonaro. E não teve papas na língua: “é um louco, um louco”. E retorno, aqui, ao que escrevi em meu último artigo: “como é tão sério aquele momento de cada um de nós, sozinho diante da urna eletrônica, votar em determinado candidato”.
Apresentado como um país doente e sem rumo, com um presidente negacionista e incapaz de dar uma resposta, o Brasil vive o seu pior momento no palco internacional. “Denunciado de forma frequente por abandonar sua população à morte e sem credibilidade alguma quando toma a palavra nos fóruns internacionais, o governo tomou ações que garantiram que o vírus da Covid-19 não apenas destruísse vidas, mas também a reputação de uma nação, de uma economia e de uma imagem construída ao longo de décadas”, afirma ainda Chade.
Se os incêndios na Amazônia em 2019 colocaram Bolsonaro como uma espécie de “vilão do mundo”, sua gestão da pandemia nos tornou tóxicos aos olhos do planeta.Não sabemos quantos ainda morreremos até o final dessa crise sanitária, nem se nos transformaremos no “misterioso país das lágrimas” ao final da pandemia. “Mas, entre os efeitos colaterais do ‘vírus brasileiro’, já temos algumas certezas: uma parcela da história do país vem sendo enterrada em cada caixão, assim como seu lugar no mundo”, conclui Chade.