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Na mira

O local escolhido para erguer a casa do futuro casal foi numa das últimas ruas pavimentadas da região sul da cidade, em frente a uma praça cheia de árvores. Havia poucos outros imóveis no quarteirão e era comum a existência de cavalos que, à noite, vinham comer o capim dos terrenos baldios. O barulho sempre assustava a jovem esposa, que acordava aflita e pedia ao marido verificar o que estava acontecendo. A casa era assobradada, portanto pelas janelas superiores tinha-se uma vista ampla de todo o terreno e era fácil diagnosticar o que estava acontecendo, mostrando à esposa que os barulhos eram produzidos por inocentes animais.

Ela contava que tinha muito medo à noite, pois na casa paterna seu pai costumava viajar em busca do produto que vendia, ausentando-se por vários dias. Sua mãe tinha sido instruída em como usar uma carabina, em caso de necessida­de, o que, felizmente, não ocorreu, mas não espantou o receio de serem vítimas de ladrões ou gatunos, como se chamavam na época os meliantes que roubavam objetos das casas, sem a violência de hoje.

Por insistência da jovem esposa, o marido resolveu com­prar uma arma. Escolheu uma pequena pistola Beretta. Ele já tinha experiência no manejo de armas, pois, mais velho, sempre caçou codornas e perdizes na fazenda de amigos.

A casa era circundada por um grande quintal, onde o marido gostava de se exercitar, rachando a lenha que seria usada no fogão doméstico. Uma carroça trazia, semanal­mente, pequenas toras de madeira, que eram transformadas em combustível para os doces divinos que a esposa fazia.

Num suporte, com ajuda de cunhas, o bater do machado enchia o silêncio da redondeza. Além disto, o marido havia comprado um galo e meia dúzia de galinhas da raça Le­ghorn, grandes poedeiras e gostava de contar que o nome era a grafia inglesa de Livorno, cidade onde teria se origi­nado a raça. O plantel se movia por todo o terreno, os ovos eram recolhidos diariamente e alguns deixados para chocar, aumentando assim a quantidade de aves. Era comum ver-se a galinha orgulhosa passeando com seus pintinhos e ciscan­do o chão vermelho de terra.

Num domingo, no sossego pós prandial, a mulher se debruçava numa das janelas que dava para o amplo quin­tal, enquanto o marido limpava cuidadosamente sua arma. Contou à esposa que a Beretta era uma das mais antigas empresas familiares , com sede na Itália, de onde vendia para o mundo todo. Suas armas eram usadas por policiais, exércitos e praticantes de tiro. Dando sequência a uma ideia que acabara de ter, o marido convidou a mulher a dar um tiro, estreando assim a pistola.

A sugestão foi rechaçada pela esposa, que nem mesmo queria ter a arma na mão. Porém, suavemente e com per­sistência, o marido acabou convencendo a mulher. Deu-lhe instruções de uso, de como pegar o revólver, de como mirar corretamente. E pediu a ela que mirasse num dos pintinhos que passeava no terreno. “- Mire no pintinho sem problema, você não vai acertar mesmo!” Com todo cuidado e vencendo o desconforto, a esposa segurou firme a arma, mirou no pin­tinho e atirou para, surpresa, ver a pequenina ave cair morta no chão. O marido levou grande tempo consolando a jovem esposa, agora em prantos…

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