Por Ana Lourenço
Apesar de não ser associada diretamente como carnavalesca, BaianaSystem compartilha diversos códigos da festa de fevereiro, tais como a guitarra baiana e a forma de comunicação com os fãs. “A gente acredita que o público é um maestro que dita pra gente o que a gente tem que cantar”, diz o vocalista Russo Passapusso. Em 2021, a data ganha mais um espaço na história do grupo com o lançamento do disco OxeAxeExu.
“Nosso disco é lançado numa sexta-feira de carnaval propositalmente, porque é onde a gente parou antes da pandemia”, conta o guitarrista Beto Barreto. Foi nesse dia, há um ano atrás, que aconteceu a última aglomeração da banda, com o trio Navio Pirata alegrando as ruas de Salvador.
Dividido em três atos – Navio Pirata, Recital Instrumental e América do Sol -, o álbum aposta na conexão latino-africana e no sentimento das questões vividas na pandemia. Tudo isso, claro, dito por entre melodias dançantes, com suingue latino e a presença forte dos tambores africanos.
“A gente fala exatamente da situação que a gente está passando, seja pela pandemia, seja politicamente. E isso é uma coisa que está extremamente ligada com o nosso fazer de arte, ao que nos descreve”, diz Beto.
Tudo começa em 2019, quando é lançado o disco O Futuro Não Demora que traz, justamente, planos pro futuro de maneira esperançosa. “Foi aí que o mundo biológico parou a gente e mostrou que não é só o ser humano que decide, tem a natureza também”, diz Russo.
Veio a pandemia e com ela a percepção de que o tal amanhã iria demorar a chegar. Surge então OxeAxeExu. “A gente viu que estamos mesmo em um mapa mundi e que esse mundo estava todo passando pela mesma coisa”, conta o cantor citando casos de desespero e incerteza pelos artistas parceiros do Chile, Tanzânia e Brasil.
Carnaval para o disco, por tanto, é a conexão entre a última manifestação em massa de 2020 e que, agora, traz preocupações do que está por vir. “Todas as pessoas se encontravam ali de uma forma ou de outra, era uma experiência social, por mais que existissem separações e segmentações. O que vai acontecer com um corpo que aprendeu a viver num mundo tendo essa relação e essa vibração, e de repente ele tem esse vácuo? A pergunta certa é o que vai acontecer depois do carnaval”, indaga.
O algarismo três também é um dos agregadores do projeto que, a cada três semanas, começando hoje, terá um ato lançado. Recital Instrumental no dia 5 de março e América do Sol, no dia 26. “O número é muito forte com os três x que fecham o nome (oxe, axé, exu), mas também durante todo o processo. Então por isso três atos e por isso palco, porque palco não se tem”, explica o vocalista. O disco também é a terceira parceria com o produtor Daniel Ganjaman, depois de Duas Cidades (2014), e O Futuro não Demora (2019).
Em uma percepção mais filosófica, o número também nos obriga a sair da dualidade pré-covid, pós-covid, mas sim pensar no agora, no momento que estamos vivendo. “O único positivo que eu posso ver disso tudo é o poder do brasileiro de se reconstruir e se adaptar de uma forma muito peculiar, e de reinventar a fé através de uma mistura de raça, de cores”, diz ele.
Apesar disso, os elementos não são separados, representam uma continuidade. “As três palavras: oxe, axé, exu, viram uma, sem ter uma prioridade ou uma ordem nisso. E é um pouco do que a gente imagina que acontece com esses atos que se lança separadamente, mas depois eles viram uma coisa só”, conta Beto.
Nas sete faixas que correspondem ao primeiro ato, é possível perceber a presença forte da religião. “A reza se tornou um elemento presente durante todo o processo de criação e pesquisa do novo trabalho. De formas diferentes, línguas diferentes e nas mais diversas compreensões, o sentimento de recitar, suplicar, de conectar fazia todo sentido”, conta Beto. A primeira música, Reza Forte, que contou com parceria de BNegão, foi lançada no dia 2 de fevereiro, dia de Iemanjá, rainha do mar, numa intenção de iluminar a nova rota do tal Navio Pirata