Por Rodrigo Fonseca, especial para Estadão
Embora Druk – Mais Uma Rodada (Another Round), do dinamarquês Thomas Vinterberg, seja o favorito ao Globo de Ouro de melhor filme em língua estrangeira, chegando por aqui em 25 de março, o prêmio dado anualmente pela Hollywood Foreign Press Association (HFPA) tem chances de vir para a América Latina, via Guatemala, graças à potência trágica de La Llorona. No dia 28 de fevereiro, Jayro Bustamante, diretor guatemalteco de 43 anos, revelado em 2015 com Ixcanul (Prêmio de Inovação de Linguagem na Berlinale), vai disputar uma das láureas mais cobiçadas da indústria do audiovisual, falando dos fantasmas políticos de seu país – e do ranço do militarismo latino.
“Vivemos a cultura do ódio desde a base da formação da nossa nação, o que se agrava com as intolerâncias mais diversas. Como em qualquer país latino, onde o machismo impera, você ser gay, índio e ou simpatizante da esquerda na Guatemala te torna um excluído. A maneira que a gente encontra de reagir, na arte, é investir em expressões estética que fujam da expectativa, da norma”, disse Bustamante ao Estadão em Paris, onde foi jurado do My French Film Festival, em meio à circulação mundial de La Llorona. “Preciso levar meu país pro mundo. Mas tem muita coisa desajustada nele que reflete o que se passa no Brasil e com outros hermanos”.
Em 2019, quando ainda colhia louros por Tremores, um drama sobre a violência chamada “cura gay”, lançado no Panorama do Festival de Berlim, Bustamante conseguiu terminar La LLorona e leva-lo à Giornate degli Autori no Festival de Veneza. Acabou saindo do Lido com os prêmios de melhor filme e direção. Na sequência, seu longa sobre um espectro chorão passou pelo Festival de San Sebastián, na Espanha, de onde saiu com a láurea de excelência em coprodução – neste caso, feita entre Guatemala e França.
“Não há mais lugar para histórias maniqueístas diante de uma plateia com tanto acesso à informação como temos hoje. O único ponto que dispensa a necessidade de explicações é o fato de a discriminação ser o grande mal dos países latinos. As populações indígenas de nosso continente, por exemplo, são desapropriadas de suas posses invisibilizadas. Na Guatemala, a pessoa que resolve ‘sair do armário’, assumir-se, precisa passar por um psicólogo pra ter certeza de que não está confusa. O cinema que eu faço é uma forma de dar visibilidade à brutalidade que sofremos”, disse Bustamante ao Estadão em Berlim, levando La LLorona ao European Film Market, calcando-se em sua dimensão sobrenatural.
Já adaptada por Hollywood em filmes de terror, La LLorona é uma entidade associada à maternidade, que busca justiça por meios metafísicos. Em sua releitura para essa figura do folclore fantástico latino, Bustamante faz uma espécie de “fábula política”. Tudo parte de um assassinato. Com as palavras “Se você chorar, eu te mato” ecoando em seus ouvidos, Alma (María Mercedes Coroy, a estrela de Ixcanul) é assassinada ao lado de seus filhos em um conflito armado na Guatemala. Trinta anos depois, um processo criminal é movido contra Enrique (Julio Diaz), um general aposentado que supervisionou o tal genocídio.
Mas ele é absolvido no julgamento e o espírito de La Llorona é libertado para vagar pelo mundo e aterrorizar os vivos. À noite, Enrique começa a ouvir o lamento de um espírito, a tal La Llorona. A esposa e a filha do militar, então, acreditam que ele está começando a sofrer de demência. Mas há quem fale em possessão. “Numa realidade onde o Estado liga pouco para seu povo, as famílias ganham mais poder e as mulheres, sobretudo elas, que sempre foram oprimidas, têm uma nova dimensão de poder Meus filmes falam muito do feminino, pois acredito que o mundo será outro, bem melhor, quando as mulheres se empoderarem”, disse o diretor ao site da HFPA.
Além de Druk – Mais Uma Rodada, Bustamante vai enfrentar Nós Duas (Deux), da França, de Filippo Meneghetti; Rosa e Momo (La Vita Davanti A Sé), da Itália, com Sophia Loren sob a direção de Edoardo Ponti; e Mirari, produção americana de Lee Isaac Chung, conduzida em coreano, que ganhou Sundance em 2020. Será uma disputa na qual ele se guiar pelo empenho de manter a filmografia de sua pátria viva.
“A gente precisa lutar para ter voz e visibilidade, sendo de uma América Hispânica tão assolada pela prática de vulnerabilização das diferenças. Antes de Ixcanul, nenhum longa de ficção nosso havia tido visibilidade em um festival europeu de tamanha importância como Berlinale. E a gente levou uma realidade indígena para as telas da Europa. Venho de um país de população maia. Mas lá, quando eu estava começando aquele projeto, muita gente dizia que eu não iria adiante, pois a classe média heteronormativa branca, dona do poder aquisitivo, não pagaria ingresso para ver indígenas nas telas, uma vez que pode vê-los, de graça, nas ruas. O mesmo aconteceu com a minha reflexão sobre os dramas de quem é homossexual e deseja ser feliz, como fiz em Tremores”, lembra Bustamante. “Depois que esses filmes deram certo, minhas atrizes e atores tornaram-se celebridades. Como a indústria lá é muito pequena e recente, existe a curiosidade pelo que aparece. E seguimos em frente”.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.