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O tempo das palavras

Não seria difícil sustentar que a existência na terra é re­gulada pelo tempo. Daí se extrai que as palavras e os argu­mentos por elas tecidos têm o seu tempo para nascer, viver e finalmente morrer.

Afirma-se que num concurso para ingresso na carreira di­plomática, a banca exigiu de um dos candidatos, por ocasião da prova oral, que dissertasse sobre “animais domésticos”. O que poderia um homem culto falar sobre “animais domésti­cos”? Afirma-se que o candidato foi aprovado.

Disse ele que os homens, quando já viviam em grupo, eram inicialmente nômades, época na qual não tinham uma estrutura jurídica constituída, andavam daqui para lá e de lá para cá. Não conheciam uma estrutura familiar monogâmica. Não trabalhavam no setor agrícola. Caçavam os animais em busca de alimentos.

Quando as tribos tornaram-se sedentárias, os homens pas­saram por outra fase da civilização. O fim de seu nomadismo é marcado pelo assentamento sedentário. Surge a propriedade privada e o casamento monogâmico. Os animais deixam de ser caçados e passam a ser domesticados. A identificação do animal doméstico autoriza o historiador a reconhecer uma profunda modificação na estrutura social. Perdão, estrutura social e eco­nômica porque então surge o uso do dinheiro em substituição à riqueza móvel e imóvel. Pois, até então a atividade econômica, quando presente, tinha a forma de “troca” ou “escambo”.

O candidato à diplomacia teria finalmente se referido à saga de Moisés e dos hebreus documentada pela Bíblia. Saí­ram do Egito, atravessando o Mar Vermelho e cobriram a pé toda a enorme planície arábica, até chegarem ao Monte Nebo, a quase novecentos metros de altura.

Lá de cima conseguiram ver a “Terra Prometida” e a cidade de Jericó. Ali morreu Moisés. Josué atravessou o Rio Jordão, derrubou as muralhas de Jericó, matando todos os seus habitan­tes, menos as prostitutas, segundo o registro bíblico. E as tribos hebraicas, até então nômades, passaram a ser sedentárias.

O registro bíblico revela que até então os hebreus eram nô­mades e os habitantes de Jericó já eram sedentários, tanto que já conheciam o comércio sexual pela prostituição e guardavam sua propriedades por muralhas construídas pela mão dos homens.

As palavras, que passaram a documentar o caminho da civilização, são assim regidas pelo seu tempo histórico, razão pela qual conseguem documentar os caminhos pelos quais os homens traçejam seu destino.

Passados alguns séculos, com o advento da civilização gre­ga e latina, os homens, que até então acreditavam que a terra era plana, passaram a navegar pelos mares e oceanos. Esta­vam convencidos que era o sol que girava ao redor da terra e não o contrário disso.

As palavras daquele tempo documentam a cultura. Os romanos usavam o verbo “orire” para dizer “nascer”. Portanto o local onde o sol nascia até hoje passou o “oriente” da terra.

Ao contrário, entre os romanos “occidere” significava “mor­rer”. Segundo a lógica daqueles tempos, o local onde o sol “morre” passou a se chamar “ocidental”. Este mesmo verbo cunhou vários vocábulos em português, por exemplo: “homo occidere”, matar o homem; “uxor occidere”, matar a mulher; “sui occidere”, matar-se.

O calor do verão romano sempre foi indesejado pelos seus habitantes, tanto que cobriam suas janelas com cortinas com muitas pregas. Quanto mais pregas mais escuras ficavam o interior das casas. Como se sabe, no latim “prega” é “plica”. Portanto, as salas romanas protegidas pelas cortinas, ficavam “complicadas”, vocábulo que sobreviveu até os nossos dias para confirmar que tudo isto é realmente muito complicado.

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