Percebo há muitos anos que a gestão pública em nosso país não é pautada no conhecimento gerado pelas universidades. Os gestores públicos deveriam beber na fonte do conhecimento, ouvir técnicos competentes por exemplo, para que suas ações fossem mais acertadas e eficientes. E deveriam colocar à frente de seus projetos pessoais e corporativos, o interesse coletivo, já que são representantes do povo no seu conjunto.
Imiscuir público e privado resulta em países como o nosso: um gigante que jamais se emancipou e que mantém um modelo de desenvolvimento excludente, insustentável e periférico. Vamos sair desse lugar?
A gravíssima situação do uso exagerado de agrotóxicos no Brasil tem como origem a postura inconsequente da maioria da classe política. Fabricante de agrotóxico não paga imposto por aqui e seus produtos fazem parte do pacote de financiamentos à produção agrícola com recursos advindos do Plano Safra operacionalizado pelo Banco do Brasil. Ou seja, o uso de veneno é amplamente incentivado em nosso país. Qual o custo dessa política para o Sistema Único de Saúde (SUS)?
O Ministério Público de Santa Catarina vem trabalhando perante esse problema e tem solicitado a análise química das águas de abastecimento público nos municípios do estado. O estudo coordenado pela professora Sonia Corina Hess, da Universidade Federal de Santa Catarina, revelou que em 41 localidades foram encontrados princípios ativos de agrotóxicos na água potável, considerando apenas uma única coleta.
Dentre as substâncias tóxicas encontradas, a atrazina desperta preocupação maior, pois está presente no herbicida 2,4 D, um inibidor da fotossíntese largamente utilizado nas culturas de soja, arroz, milho, café, cana-de-açúcar, sorgo, aveia e braquiária. Essa substância tem o uso proibido nos países europeus desde 2004.
“As auxinas sintéticas movem-se livremente pelo xilema e pelo floema. Após sua aplicação ocorre acidificação da parede celular, provocando a desregulação do metabolismo da planta. O crescimento desordenado dos tecidos causa o fenômeno “epinastia”, ou seja, o encarquilhamento, a paralisação do crescimento das folhas, o rompimento dos tecidos de condução e a interrupção de assimilados para as raízes. Sem energia e desidratada, a planta morre”. Texto resumido extraído da bula de um herbicida 2,4 D. Lhes parece uma substância palatável?
Recentemente a Rússia se queixou do excesso de resíduos de agrotóxicos na soja importada do Brasil. Barreiras comercias entre Mercosul e União Europeia poderiam ser quebradas se fôssemos mais rigorosos na legislação e no controle desses produtos. Segundo a professora Larissa Bombardi do Departamento de Geografia da USP, apenas 27 dos 404 princípios ativos aprovados no país tem análise exigida pela legislação. Na União Europeia o limite tolerável de ingredientes tóxicos na água é de 0,5 ug/l; aqui não há limite para a soma desses ingredientes.
Publicação no prelo intitulada “Existências e conexões: abordagens sociojurídicas e ambientais”, organizado pelo professor Márcio Henrique Pereira Ponzilacqua, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (USP), traz em um de seus capítulos a discussão sobre as Zonas Livres de Agrotóxicos. A autoria do tema é da advogada Cristiane Duarte Mendonça Álvares. A partir das experiências legais de Porto Alegre e Florianópolis, e considerando o arcabouço constitucional que permite que os municípios legislem na proteção do meio ambiente, a autora identifica a possibilidade de replicação desse mecanismo em outros municípios.
Enquanto o projeto de lei 6.670/2016 que trata da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos não caminha em Brasília, os estados e os municípios devem agir para saldar a lacuna e primar pelo respeito à vida com segurança.
Trazendo a preocupação para nossa região, sugiro que o Ministério Público solicite análises das nossas águas de abastecimento e dos mananciais subterrâneos. Também faço a sugestão que as câmaras de vereadores dos municípios da Bacia do Rio Pardo e da região metropolitana de Ribeirão Preto, se organizem para estudar a viabilidade de nos tornarmos uma Zona Livre de Agrotóxicos.