Tribuna Ribeirão
Cultura

Vanessa Kirby brilha em filme sobre perda

Agência Estado

Os 23 intensos minutos de um parto em casa que termina mal renderam a Vanessa Kirby a Coppa Volpi de melhor atriz no último Festival de Veneza e devem assegurar seu lugar entre as cinco indicadas na categoria no Oscar deste ano. Em “Pieces of a Woman”, primeiro longa em inglês do cineasta húngaro Kornél Mundruczó, que está no ar na Netflix desde 7 de ja­neiro, a inglesa arrepia como Martha, uma mulher que per­de o bebê e lida com o luto.

A atriz, mais conhecida por interpretar a Princesa Marga­ret nas duas primeiras tem­poradas de The Crown, estava à procura de um papel desa­fiador. “Quando li o roteiro, pensei: Deus, este é um retrato tão incomum do luto, porque ela não o expressa”, disse Kirby em uma sessão de perguntas e respostas após a pré-estreia virtual do filme.

“O desafio seria cavar fundo para achar a dor, o sentimento de perda, a vergonha e a culpa que vêm com isso. E ainda assim um passante na rua não conse­guiria perceber pois ela parece estar bem. Deu muito medo, mas isso é bom.” Kirby nunca passou pela experiência de um parto, então achou necessário fazer muita pesquisa.

Ela acompanhou uma equi­pe de obstetrícia e chegou a ver o nascimento de um bebê, além de ter conversado com mulheres que sofreram perdas parecidas com a de sua personagem, Mar­tha. A cena foi filmada de uma tacada só, com Kirby e Shia La­Beouf, que faz o marido Sean.

Ele sumiu dos materiais de imprensa desde a acusação de abuso por parte de ex-namo­radas. Na cena também está Molly Parker, que interpreta a doula Eva, tendo liberdade para agir e reagir e uma câme­ra flutuante que acompanhava seus movimentos.

“Para mim, que venho do teatro, foi ótimo rodar tudo de uma vez”, disse Vanessa Kir­by. “Queríamos que fosse tão autêntico quanto possível, em toda a sua glória, dificuldade, dor, horror e majestade.” O filme nasceu das experiências pessoais de Mundruczó e de sua mulher, a roteirista Kata Wéber, que passaram por uma perda que não detalham.

“Eu queria falar sobre a au­sência de uma criança que não nasceu e meus sentimentos pessoais em relação a isso”, dis­se Wéber em entrevista ao Fes­tival de Toronto. Na coletiva do Festival de Veneza, ela afirmou: “Eu sou mãe e queria tratar do isolamento que as mulheres que perdem bebês sentem”.

É um assunto do qual pouco se fala, mas que é universal – daí a ideia de tornar esta história a primeira que o casal fez em in­glês, depois de “Deus Branco” (2014) e “Lua de Júpiter” (2017), em seu idioma natal. A cena do parto tinha de ser longa, na opi­nião da roteirista.

“Como criar um filme sobre alguém que não está lá? Se fossem apenas duas páginas, as pessoas não conseguiriam se relacionar com esta presença. Fora que, para mim, dar à luz é uma coisa tanto física quanto espiritual. Não dá para analisar com a lógica, não dá para compreender direito.”

Havia outro assunto de que Wéber queria falar: os padrões familiares na forma de lidar com o trauma principalmente em famílias como a sua, de sobre­viventes do Holocausto. Martha é neta de uma sobrevivente do Holocausto, e isso permeia sua relação difícil com a mãe, Eliza­beth (Ellen Burstyn).

“Em famílias de sobreviven­tes, a perfeição é uma maneira de sobreviver”, disse Wéber. “Você não pode falhar, tem sem­pre de se encaixar, para assim sobreviver, para não ser fraca.” Elizabeth gostaria que a filha vivesse seu luto de uma forma mais explícita, e isso explode numa cena de um jantar que estava originalmente na peça de teatro que antecedeu o roteiro.

“Eu acho incrível a forma como Kata apresenta minha personagem”, disse Burstyn, em Veneza. “Ela diz que está indo à casa das amigas para fazer or­ganização. E é isso o que ela faz com a vida: ela organiza, encena, para não sucumbir à escuridão do que sua família viveu. Co­locando uma almofada numa poltrona feia, ela a torna mais aceitável. Da mesma maneira, quer que sua filha viva o luto de forma mais convencional e acei­tável para as pessoas.”

Martha, porém, escolhe seu próprio jeito. “Para mim, ela é uma heroína”, disse Wé­ber. “Mas também uma rebelde que vai contra os tabus.” Para Mundruczó, a ideia não era di­zer quem é bom e quem é mau. “Martha tem uma conexão com o ser perdido, o ser invisível, e precisa encontrar sua própria verdade para encontrar sua saí­da, para sobreviver, tanto quanto sua mãe sobreviveu.”

O diretor espera que o fil­me ajude o público a lidar com problemas ou traumas, não ne­cessariamente o mesmo da his­tória. “Todos temos de enfrentar a perda”, disse ele. “Mas cada um tem de encontrar seu caminho, seu jeito. É algo universal, e por isso o fato de o longa ser exibido no mundo todo é muito signifi­cativo para mim.”

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