Em Moça com chapéu de palha (2009), de Menalton Braff, a estrutura narrativa é tão importante quanto os temas que aborda: criação literária, jornalismo, ética, verdade, beleza e a (in)compreensão do outro. As afinidades são profundas e possuem um sistema de equivalência.
Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que a pintura Impressionista repercute fortemente no espírito de Menalton Braff. Os postulados do Impressionismo, que induzem o autor ao esmero da forma, trazem à superfície certas questões filosóficas e estéticas fundamentais e permanentes, como representação da impressão fugidia e o triunfo da sensação sobre a racionalidade.
Assim como Monet produz séries, um conjunto de telas sobre um mesmo tema, como a Catedral de Rouen, captando as divergências da mesma paisagem a partir da luminosidade, o romance Moça com chapéu de palha contem uma cena que estrutura e repercute por todo romance, cena que ocorre no escritório de Armando: Bruno Vieira, jornalista de O Correio, ao fazer editar uma matéria sobre o influente Ronaldo Gomes Sousa, amigo do doutor Euclides, proprietário do jornal, e por ele protegido, é demitido por Armando, seu superior.
As impressões do instante surpreendidas pelo olhar de Bruno ficam preservadas em sua memória e repercutem em seus pensamentos e sensações. Assim, os momentos diversos da mesma cena são um modo de captar a alteridade do mesmo que é sempre outro quando visto por outro ângulo e sob outra luz – como na pintura Impressionista.
Por sugestão de sua namorada Ângela, Bruno decide escrever um livro e daí surge o leimotiv para discussões sobre criação literária, gênero, adequação da linguagem ao tema e a função do belo. De modo explícito, temos uma imbricação entre a construção e a desconstrução do discurso narrativo, pois, paradoxalmente, sabemos a todo instante que se trata de romance, mas a cada passo temos o questionamento sobre a produção da criação na qual o narrador-personagem está inserido.
Como um relacionamento não pode chegar a um ponto ideal de convergência em que as diferenças pessoais se anulam, Bruno procura assimilar as formas de pensamento de sua companheira, reproduzindo seus estados afetivos pela imaginação, na ânsia de compreendê-la. Nessa ânsia de compreensão ocorre o drama da subjetividade de Bruno, que percebe que integrar-se ao outro é um retorno à própria subjetividade. Daí surge a sugestão para o leitor de que a impossibilidade de compreender absolutamente o objeto institui a percepção da própria existência e da existência do outro.
A poética e quase idílica relação entre o casal provem da percepção do narrador da beleza epidérmica, um tanto perturbadora a um espírito inquieto como o de Bruno. Mas Ângela é profundamente mulher, seja pela audácia pertinaz, seja pelo senso de ação que a torna a sedutora e não a seduzida.
Ângela é uma pintora e como tal no ato de perceber ela procura interpretar e, nessa interpretação, dá início ao processo de criação. Como a técnica narrativa é uma questão de formas e conteúdos expressivos, o leitor pode perceber o quanto os processos de percepção se interligam com os próprios processos de criação. A sensualidade da percepção une a imagem à palavra e faz com que Moça com chapéu de palha possa ser lido como se observássemos uma pintura de Monet.
Há no romance uma certa oposição entre mundo urbano e rural. Ao mundo urbano agitado e maculado pelas impropriedades éticas opõe-se o campo, a propriedade rural, uma espécie de locusamoenus. Aqui podemos questionar se tal oposição não refletiria uma oposição com a modernidade e, em particular, com a modernidade urbana. A linguagem empregada, sobretudo na relação do casal, pontuada de lirismo, parece, à primeira vista, anacrônica.
Neste romance, a criação literária é também consciência estética da criação literária. Nesta volta sobre si, Menalton Braff apreende as lições da modernidade de uma forma espiritualizada. O olhar, a audição, o olfato, o tato , todos os sentidos são decantados pela consciência. Daí a banalidade da modernidade ser decantada pelo uso da linguagem, pelo olhar impressionista que capta o essencial e é capaz de dar cor ao instante com as “pinceladas” de uma linguagem que ele aprendeu a dominar de modo singular.