O rei está nu. O ano não poderia terminar pior para esta farsa do envolvimento de várias igrejas e suas lideranças do campo evangélico no Brasil com o que há de pior na política. Um a um estão sendo desmascarados aqueles que usam e abusam da espiritualidade como escudo para um projeto político claramente baseado no crime. Este projeto vem de longe, mas ficou agora escancarado com a onda conservadora que nos assola e com a ascensão dos sentimentos mais desumanos e pútridos do bolsonarismo.
Um artigo da Pastora Lusmarina Campos Garcia me chamou a atenção pelo seu lugar de fala. Ela é teóloga eco-feminista, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, pesquisadora no Programa de Pós-graduação da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ e atuante no movimento ecumênico desde os anos 80. Ela chama de lixo a teologia que está por trás de figuras que foram para as páginas policiais devido ao envolvimento com corrupção e outros tipos de crime, inclusive assassinato. Vejamos os três casos mais recentes e o que diz a Pastora Lusmarina.
A deputada Federal Flordelis dos Santos de Souza (MDB/RJ), pastora e líder do Ministério Cidade do Fogo em São Gonçalo/RJ, é apenas mais um episódio neste universo vexatório no qual uma parte das igrejas cristãs se lançou. Denunciada como mandante do assassinato do próprio marido que também era pastor, tem contra ela uma série de outras acusações envolvendo suas relações abusivas com as dezenas de filhos adotivos. Protegida pelo instituto da imunidade parlamentar, continua sendo investigada e já usa tornozeleira eletrônica.
O Pastor Everaldo Pereira, da Assembleia de Deus, o mesmo que batizou Bolsonaro nas águas do Jordão, é presidente nacional do Partido Social Cristão (!) e foi o quinto candidato mais votado a presidente em 2014 arrebanhando milhões de votos de evangélicos. Ele foi preso em agosto junto com dois dos seus filhos, na operação Tris in Idem que também determinou o afastamento do cargo do governador Wilson Witzel, do mesmo partido de Everaldo. Eles são acusados de corrupção na saúde do estado do Rio. Seus defensores andam dizendo que a ética de Deus não é a ética dos homens (!)
E o caso mais recente e emblemático é o do próprio Bispo Marcelo Crivella (Republicanos/RJ), Prefeito do Rio, da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), em prisão domiciliar. Ele é investigado por chefiar um “QG da propina” na prefeitura, em um esquema com empresários que pagavam para ter acesso a contratos e poderem receber valores que eram devidos pela gestão municipal. Crivella é sobrinho do Bispo Edir Macedo, chefe de uma poderosa organização religiosa-política-econômica-midiática (IURD).
Aqui em Ribeirão Preto este mesmo projeto político já deu as caras com a eleição de vereadores. O primeiro arranjou tantos problemas que foi defenestrado pela própria Igreja que o fez tirar o sobrenome adotado de “Jesus” por ser pastor. O segundo se envolveu no escândalo dos “sanguessugas”, de irregularidades na compra de ambulâncias durante sua gestão em uma entidade beneficente e, depois, foi afastado e condenado pela Justiça devido ao envolvimento no maior escândalo de corrupção da cidade, a Sevandija. Na última legislatura, o terceiro foi afastado do seu mandato acusado de improbidade administrativa no uso de uma funcionária fantasma. Tutti buona gente!
Não são apenas algumas igrejas pentecostais e neo-pentecostais que aderiram ao lixo teológico e hermenêutico com aparência de espiritualidade evangélica. A Pastora Lusmarina afirma que uma parte das igrejas protestantes e mesmo grupos católicos também adotaram a mediocridade como método e a espiritualidade como disfarce para a adoção de um projeto de conquista do poder. Trata-se de um projeto de conquistar o país para as suas igrejas com a destruição do Estado laico. E temos certeza: se tirarem o nosso já frágil Estado laico da Constituição, no outro dia implantam a Inquisição!
Para Lusmarina, “a ação de pessoas e instituições evangélicas que tomam como referencial os princípios éticos advindos da Reforma Protestante, radica-se na busca pela justiça social, pelo exercício de uma cidadania livre de manipulações e extorsões. E por um Estado laico respeitoso da complexidade religiosa, cultural, étnica, sexual, que serve ao conjunto da população com a finalidade de implementar políticas inclusivas, produtoras de igualdade radical. Esta é a ética pela qual se pautam as lideranças evangélicas comprometidas com sociedades justas e solidárias”.