Por Mariane Morisawa, especial para o Estadão
A Pixar já teve entre seus personagens brinquedos, insetos, monstros, peixes, carros, um rato, um robô e as emoções de uma menina. Em Soul, que estreia no serviço de streaming Disney+ na sexta-feira, 25, pela primeira vez um filme do estúdio tem um protagonista negro.
Joe Gardner (voz original de Jamie Foxx e Jorge Lucas na versão dublada) é um músico de jazz que paga as contas sendo professor. Seu grande sonho é viver de sua paixão, tocando com grandes nomes, como Dorothea Williams (Angela Bassett no original e Luciana Mello em português). “Me move muito ver um protagonista de longa-metragem de animação negro”, disse o dublador Jorge Lucas em entrevista ao Estadão.
Para a cantora Luciana Mello, que estreia na dublagem, representatividade é muito importante. “Infelizmente as pessoas botaram cor na alma, na arte, em toda a expressão que temos. Então a gente fica aqui tentando mostrar para essas pessoas que é essencial a gente se ver. Vai demorar um tempo, mas espero que a gente não precise mais lutar por essa representatividade toda hora. Soul é uma grande força para a gente e para essa meninada que vai se sentir representada e orgulhosa.”
A Pixar se esforçou para fazer a coisa certa. O diretor Pete Docter – que hoje também é o diretor criativo do estúdio – chamou o escritor e dramaturgo Kemp Powers para colaborar no roteiro, e ele terminou com um crédito de codiretor. Docter é filho de músicos e músico amador, como Joe. Mas não é negro.
Para ele, que está tentando tornar a Pixar mais inclusiva, era fundamental que o filme fosse o mais autêntico possível. Foi de Powers a ideia de incluir uma barbearia, um ponto de encontro fundamental para a cultura do homem afro-americano. Powers fez questão de incluir o máximo de espaços negros possível. Além dele, artistas negros da própria empresa contribuíram com ideias e consultores foram contratados – de músicos como Jon Batiste, Herbie Hancock e Questlove a diretores de fotografia como Bradford Young (Selma), atores como Daveed Diggs (Hamilton) e acadêmicos como Johnnetta Betsch Cole e Christopher Bell, entre outros.
Esse cuidado se refletiu nos detalhes – da maneira como os personagens foram criados aos tons de pele, variedade de cabelos, modos de vestir e personalidades, para que a experiência negra não se resumisse a uma única. A maior parte dos personagens é negra na tela e fora dela também. É uma reivindicação cada vez mais comum que os atores que dublam tenham a mesma cor de pele dos desenhos na tela – recentemente, Jenny Slate deixou seu trabalho em Big Mouth, Kristen Bell vai ser substituída em Central Park, Hank Azaria saiu de Os Simpsons e Mike Henry, de Family Guy.
“Isso está acontecendo no Brasil também”, disse Lucas. “Desde maio, cerca de 50% das coisas que fiz são de atores negros. O movimento está vindo de lá. E é bacana porque vai incentivar jovens pretos e pretas brasileiros a buscarem colocação no mercado de trabalho.”
Em Soul, a busca pela diversidade foi levada tão a sério que até mesmo os personagens que não têm cor nem gênero foram dublados na versão original por Richard Ayoade, Wes Studi, a brasileira Alice Braga e Rachel House, ou seja, um negro, um cherokee, uma latina e uma maori.
É um filme de Pete Docter, diretor de Up – Altas Aventuras e Divertidamente, e a trama não poderia ser simples. No dia em que Joe tem a melhor notícia de sua vida, ele cai num bueiro e vai para o Além Vida. Só que por um erro burocrático, ele termina no Pré Vida, onde as novas almas estão sendo preparadas para serem enviadas à Terra. Lá, elas são guiadas pelos conselheiros, todos chamados Jerry (com vozes de Ayoade, Studi e Braga) e com formas bem básicas, e têm mentores, que são grandes nomes da história da Humanidade, como Albert Einstein e Madre Teresa.
Por engano, Joe termina responsável por 22 (voz original de Tina Fey), uma alma milenar que já ganhou seus traços de personalidade, passou por diversos mentores, mas ainda não descobriu a centelha para sua vinda para a Terra. Na verdade, ela não vê graça nenhuma aqui. Joe vai tentar ajudar 22 a descobrir algo que faça a vida valer a pena ao mesmo tempo que tenta recuperar seu próprio lugar no nosso planeta. E assim ele acaba descobrindo a verdadeira razão de viver.
A trama foi inspirada num sentimento do próprio diretor após ganhar seu segundo Oscar, por Divertidamente. Ele se sentiu sortudo, mas não completo. E percebeu que há mais na vida do que uma paixão específica. Às vezes, são as pequenas coisas que fazem a diferença, como uma framboesa colhida na beira da estrada num passeio de bicicleta. É uma reflexão e tanto para um ano difícil como este 2020.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.