Acabamos de assistir à extinção da Secretaria Municipal da Cultura. Aliás, o prefeito reeleito já desejava isso antes de iniciar a sua atual gestão. Escrevo isso com toda a certeza, depois da fusão com a Secretaria Municipal do Turismo, aprovada pela Câmara que se despede. Diante desse quadro de desalento, sou obrigado a relembrar outros tempos da nossa cidade, quando a questão cultural foi levada mais a sério. Estou falando do convênio estabelecido em 2010 entre a Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto e o Governo Federal com o objetivo de reconhecer 10 Pontos de Cultura e um Pontão de Cultura em nossa cidade.
Para viabilizar tal empreendimento, no início daquele ano, dois editais foram publicados a fim de selecionar 11 entidades sem fins lucrativos da sociedade civil, que já contassem com uma trajetória de atuação no campo cultural. Transcorrido o processo seletivo, feito com todo rigor e transparência, e depois de toda a burocracia do conveniamento, começaram as atividades da rede de Pontos de Cultura, projeto integrante do Programa Cultura Viva do Ministério da Cultura, idealizado e dirigido pelo historiador Célio Turino à época de Gilberto Gil como Ministro. Foram três anos que deixaram saudade a artistas e ativistas culturais de Ribeirão.
A rede foi tomando corpo e se firmando no cenário cultural da cidade. Muitos que não conheciam o programa Cultura Viva, considerado um marco na mudança de paradigma das políticas públicas para a cultura no país, e reconhecido hoje mais no exterior do que entre nós, passaram a conhecer concretamente a ação prioritária e o ponto de articulação das demais atividades desse programa do governo federal. Eu mesmo tive a alegria de presidir à época a Associação Amigos do Memorial da Classe Operária-UGT, entidade selecionada para fazer a gestão do Pontão de Cultura Sibipiruna. Vivemos um tempo de muita esperança e alento.
Foi uma política pública de cultura que deu muito certo. Dinheiro público gasto com planejamento, responsabilidade, metas e resultados. Somente o Pontão Sibipiruna, responsável pela gestão da rede, recebeu um aporte de um milhão e cinquenta mil reais nos três anos. É praticamente outro orçamento anual da Secretaria da Cultura. Qualquer alteração no cronograma e na previsão de despesas tinha de passar pela aprovação dos técnicos da área da Secretaria e do Ministério. Nossas prestações de contas serviram de exemplo para outras entidades e órgãos públicos conveniados com o Ministério pelo país afora.
A população ganhou uma programação rica e diversificada – como oficinas, cursos permanentes, espetáculos artísticos, sessões de cinema, ensaios abertos de música e canto, mostras e encontros culturais, dentre outros, espalhados pelos quatro cantos da cidade. Simultaneamente à Rede, uma série de outras iniciativas foi se constituindo ou se consolidando de forma a compor o panorama cultural entre 2011 e 2014. Destaco o Coletivo Fuligem de Comunicação, o Movimento Pró Arena e o Fórum Social de Ribeirão Preto que levantou o lema “Uma outra Ribeirão é possível, necessária e urgente”. Ações que, de alguma forma, ainda hoje se reverberam.
Mas nem tudo foram flores. Uma política de grande repercussão não deixaria de levantar invejosos e detratores. No último ano do convênio, com a mudança de gestão na Secretaria de Cultura, o novo secretário segurou enquanto pôde o repasse de recursos da Prefeitura, causando enorme atraso na execução dos projetos. E ainda municiou a imprensa com fake news contra membros do conselho de cultura, incluindo responsáveis pelos Pontos e Pontão. As prestações de conta foram investigadas pelos politiqueiros de plantão. Não encontraram nada de errado! A visão caolha e de balcão não suportava e a inda não suporta a sociedade civil gerir recursos públicos de forma independente e sem apadrinhamento político.
Podemos afirmar que Ribeirão já teve políticas de cultura exitosas e que servem de exemplo. Já fomos um verdadeiro laboratório de reordenamento das prioridades financeiras da gestão pública, assim como de uma ressignificação da produção cultural a partir da priorização dos fazeres culturais em bases comunitárias. Entidades da sociedade civil e poder público se depararam com os desafios de desenvolver fazeres culturais interconectados e de forma horizontal, em verdadeira co-gestão.
É com essas boas lembranças que desejo a você um Natal e um ano novo que possam reacender a nossa esperança de que uma outra vida, uma outra sociedade e uma outra cidade são possíveis!