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Longa sugere que o anormal adquiriu status de normalidade

Por Luiz Carlos Merten

Crítico de cinema, autor de uma dissertação sobre Jean-Luc Godard, Tiago Mata Machado admite sua dificuldade de viver em grupo, mas assume o paradoxo. O cineasta cria filmes – Os Residentes, Os Sonâmbulos – sobre o que chama de ‘complôs’. Grupos que se unem para contestar, protestar – como ele, por um momento, integra um grupo para fazer cinema.

Os Sonâmbulos não deixa de ser uma adaptação de Os Demônios, de Dostoievski, que já teve uma versão expressionista por Andrzej Wajda, em 1988. L/Clara Choveaux diz a Ruiz/Rômulo Braga que ele é um melancólico e esse é seu principal problema político. Os tempos não pedem passividade nem a paz dos cemitérios. Pedem dissensão, polarização, conflito, violência.

Os Sonâmbulos nasceu no contexto dos movimentos de 2013. “É um filme em que o sentimento de morte é muito forte, um filme sobre um necrocasal”, define o diretor. E o ator e roteirista Francis Vogner dos Reis, num texto na internet: “O roteiro de Os Sonâmbulos começou a ganhar corpo a partir de uma conversa entre Tiago e eu sobre Os Residentes, depois da exibição do filme na Mostra de Tiradentes de 2011. Era o segundo filme dele de longa-metragem, após o mistério do e pouco visto O Quadrado de Joana. Na ocasião, escrevi um texto chamado Das Ruínas para a revista Cinética, que implicava o gesto de radicalidade de Os Residentes, na sua proposição de trabalhar sobre os destroços da modernidade.”

E mais – “Os Sonâmbulos era, desde o início, um filme de guerra minimalista. Imaginava um estado de exceção tornado guerra e, nele, um grupo clandestino agia infiltrado ou fazendo violentas ações diretas. A ideia era, a exemplo do que Os Residentes fizeram quanto às vanguardas históricas, realizar uma espécie de grande inventário das revoluções a partir da afasia do contemporâneo.” Outro grupo de personagens em interação, mas ao contrário do filme anterior, que é solar, Os Sonâmbulos agora aponta para a escuridão interior e exterior.

Mata Machado admite que se inspirou no filósofo italiano Giorgio Agamben, que, em Estado de Exceção, parte de Walter Benjamin para discutir a ideia de que a exceção virou regra no mundo contemporâneo e o que seria anormal adquiriu status de normalidade para fortalecer – legitimar? – o totalitarismo moderno.

No site da distribuidora Embaúba, o cinéfilo pode seguir o que tem sido a trajetória de Os Sonâmbulos no Brasil e no exterior. Mostra de Tiradentes, debate no Instituto Moreira Salles – com mediação de Kleber Mendonça Filho – e debate em inglês do diretor no Lincoln Center, de Nova York. Desde os seus tempos de crítico, Mata Machado sempre reverenciou a nouvelle vague – e a amizade de seus autores preferidos, Eric Rohmer e Godard. O segundo, o grande revolucionário da linguagem e da política nos anos 1960, acaba de completar 90 anos sem abrir mão de refletir sobre o estado do mundo.

A proposta radical de Os Sonâmbulos também visa expressar, na forma e nos temas, o desencanto político que virou imobilismo e mal-estar no Brasil. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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