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O Terceiro Homem

O filme Terceiro Homem sempre esteve envolto em histó­rias e lendas prováveis e improváveis, lançando um manto de mistério tanto na sua narrativa, como na sua filmagem.
É de 1949, com fotografias expressionistas em fortíssimo preto e branco. O mercado era, até então, fortemente domina­do pelos filmes norte-americanos. Ao contrário, o “Terceiro Homem” é inglês. Como inglês era seu diretor, Carol Reed, que trabalhou sobre uma história escrita por outro britânico, o extraordinário Graham Greene. Tem como cenário a Viena, após a II Grande Guerra.

Até hoje há quem afirme que o filme foi inspirado no debate de Platão e Aristóteles sobre a “terceira forma”, daí o nome “Terceiro Homem”.

A narrativa ajoelha-se frente aos pés da guerra fria quando ainda era morna. Havia necessidade política de esmaecer as vitórias dos russos contra o nazismo, derrotado por eles em Varsóvia, Viena e Berlim. Os norte-americanos e ingleses, contra a opinião de De Gaulle, somente enviaram tropas para o norte da França, o “front ocidental”, em 6 de junho de 1944, o chamado Dia D, data eleita por Hollywood para celebrar o final da guerra. A guerra oficialmente terminou em maio de 1945. Viena, como Berlim, foi repartida entre os países aliados.

No filme, as tropas de ocupação trabalhavam para prender um norte-americano que vendia penicilina falsa, matando doentes. O papel do criminoso foi protagonizado por Orson Welles, o Harry. O papel do “mocinho” coube a Joseph Cot­ten. A italiana Alida Vali contracena com eles.

Na vida real os artistas, num restaurante, ouviram um mú­sico austríaco apresentando uma composição de rara beleza. O compositor e músico chamava-se Anton Karas e tocava um instrumento de origem grega, a cítara.

Imediatamente os produtores do filme adquiriram os direitos para veicular a música na sua trilha sonora. A música herdou o nome do filme, o Terceiro Homem. Foi a música mais ouvida no início da metade do século XX.

Uma questão de ética, marca registrada de Graham Gre­ene, surgiu no final do filme. Vale a pena lembrar. O “moci­nho” e o “bandido”, até então amicíssimos, encontram-se na enorme roda gigante vienense.

O “mocinho” acusa o “bandido” de estar vendendo penicilina falsa, matando assim muita gente. O “bandido”, ironicamente, refuta, afirmando que a penicilina falsa somen­te estava indo de encontro ao desejo de todos vienenses que buscavam a morte para fugir dos problemas por eles vividos.

E o “bandido” acrescenta que a Itália, no passado históri­co, quase sempre fora governada por ditadores sanguinários. Consequência, gerou grandes homens, como Leonardo, Michelangelo, Dante e Verdi. Ao contrário, a Suíça, sob com uma democracia secular e eterna, somente havia revelado o relógio do cuco.

A afirmação é repelente, mas ainda permeia muitas das relações modernas, pois há quem diga que “se não houver ditadura e brutalidade, não haverá progresso”. Como sempre, a crítica de Graham Greene não perdeu um pingo de sua im­portância, especialmente nos dias de hoje em que se politiza a aplicação da vacina do covid, fechando os olhos para os inúmeros mortos por ele assassinados.

O “Terceiro Homem” foi o filme que mais vi e revi desde a minha distante juventude. O tema aristotélico sempre volta à minha memória. O som da cítara de Anton Karas marca até hoje o compasso do meu passado.

Num restaurante de Viena, um garçom perguntou-me qual era a música que desejava ouvir. Percebi que um deles tinha uma cítara. Solicitei que tocassem a música de Karas para o “Terceiro Homem”. Ao contrário da praxe, fui aplaudi­do pelos músicos.

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