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Catalepsia- A falsa morte
Certa feita, no bairro de Campos Elíseos, um morador que vivia sozinho, tinha o hábito de conversar com a vizinhança, trocar informações sobre o tempo, a respeito das notícias e o pro­gresso da cidade. Era constante. Logo pela manhã, acordava e ia bater papo com aquelas que tiravam o lixo da porta de casa e os colocavam nas sacolas pretas (não havia sacola de su­permercado) para serem recolhidas pelos caminhões da Pre­feitura. Era um senhor de meia idade e sempre estava pronto para auxiliar a tantos quantos dele necessitassem. Difícil era o dia que ele não comparecia ao bate papo matinal.

Deram falta dele
As senhoras com as quais conversavam deram pela falta dele em dia com nuvens plúmbeas (cor de chumbo) e prenúncio de chuva. O comentário foi geral: -“Cadê o Sorriso [era este o seu apelido]”. Tantos comentários que geraram uma ação de alguns mais corajosos. Foram até a casa dele. Tudo fechado. As lux bruxuleantes, que deixava acesa para espantar a escuridão da noite, estavam acesas. Bateram à porta, mexeram nas janelas e ninguém respondeu. Chamaram um vizinho que sabia lidar com portas fechadas e abri-las. Ele tirou os parafusos das do­bradiças e todos entraram de uma só vez. Sim. Lá estava ele deitado em sua cama com a roupa que ele sempre vestia, com um sorriso do lado direito da boca. Tentaram reanimá-lo. Não o conseguiram. Chamaram a ambulância do Pronto-Socorro que rapidamente compareceu. O médico colocou o estetoscópio e não ouviu batimentos cardíacos. A pressão arterial estava zera­da. O médico deu o diagnóstico: “Morte por parada cardiorres­piratória”. Todos se chocaram e os mais íntimos trocaram suas vestes por um terno de “ver Deus” que ele possuía. Prepararam o caixão simples, mas com todo o respeito.

Enterro
O velório foi no necrotério da Santa Casa, esquina das ruas São Paulo e Capitão Salomão. Muita gente fazendo orações e até o padre da paróquia compareceu para proceder a benção fúnebre. Na hora certa, 16 horas, saiu o féretro pela avenida da Saudade que ainda possuía pista dupla até o cemitério. Todos contritos, lembrando-se das alegrias que ele proporcionou aos vizinhos e amigos. Quando o enterro estava próximo da estátua do Padre Euclides Carneiro, bem defronte ao asilo (que leva o nome do be­nemérito padre), eis que o caixão se abriu e o defunto perguntou o que estava acontecendo. Por mais amigos que fossem, todos saíram em desabalada carreira, deixando o caixão no chão. O de­funto vagarosamente foi esticando as pernas e braços e conse­guiu se levantar. Também olhou espantado para o caixão e para as flores que o ornamentavam. Muitos estavam atrás dos postes, olhando de soslaio para constatar se era verdade o que “aqueles olhos que a terra haveria de comer estavam vendo”. Ninguém se aproximou. Só o homem da funerária tomou as providências para avisar ao coveiro e ao pessoal do Cemitério da Saudade para pa­ralisarem o processo do sepultamento.

Explicação
Os que conseguiram chegar ao cemitério e ao necrotério onde os médicos legistas procediam aos exames necroscópicos souberam dos profissionais que o que podia ter havido era uma catalepsia, ou seja a falsa morte. O cidadão ficou sem seus sinais vitais e de uma hora para outra o coração voltou a bater e ele acordou. Explicaram que não era comum, mas podia acontecer, como aconteceu. O difícil foi chamar de volta aos que assustados sumiram na braquiária.

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