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Um homem chamado Alfredo e O filho que eu quero ter

Meus amigos, hoje conto a história de como foram criadas as duas músicas que dão nome à crônica de hoje. Na primeira, atendo a um pedido do querido amigo Camilli, leitor do nosso jornal Tribuna.

Posso dizer que sou um cara privilegiado por ter vivido numa época de grandes parcerias, em que poetas se juntavam a músicos, nascendo assim obras de uma qualidade sem igual. Cito aqui Toqui­nho e Vinicius, esses dois são autores de canções inesquecíveis como esta “Um homem chamado Alfredo”.

Acredito que poucos sabem essa história. Certa noite, o cineasta Fernando Kaxassa, pediu-me para cantar no Templo da Cidadania, era um sambarilove com poucos convidados e entre os presentes estava o saudoso Kico Calil, famosíssimo por ser amigo de grandes artistas e atletas.

Tive ali o prazer de ouvir dele histórias que a vida lhe presen­teou. Contou coisas de Pelé, Miele, Roberto Carlos, Elis Regina e, entre tantos, Toquinho e Vinicius. Ele os empresariava. Contou-me que, certa vez, fechou três shows com Toquinho e Vinicius, em Ribeirão Preto, Franca e São José do Rio Preto.

Nessa terceira cidade, disse Kico que estavam no hotel após o show, Toquinho dormia e ele fazia companhia a Vinicius que, de pijama, andava pra lá e pra cá com um gravador na mão e seu inse­parável copo de uísque, até que se abriu com o amigo: “Sabe, Kico, faz um mês que estou com esse gravador, com uma melodia linda do Toco (era assim que chamava seu parceiro) e não consigo encontrar um tema pra fazer a letra”.

O poeta chacoalhou seu uísque com algumas pedrinhas de gelo, sen­taram-se em torno de uma mesinha e, sobre a mesa, um jornal da cidade na manchete, em letras garrafais, anunciava o suicídio de um morador. Kico olhava para o rosto do amigo, que não tirava os olhos do jornal, dando a impressão de que estava muito longe dali. E estava.

Até que falou: “Kico, encontrei o tema, quando eu morava em Niterói tinha um vizinho que se chamava Alfredo, ele morava com seu gato e um papagaio, um dia ficamos sabendo que havia se suicidado”. O poeta pegou um bloco de papel, caneta, colocou a fita do gravador pra tocar a melodia cantarolada por Toquinho e escreveu tudinho ali.

“O meu vizinho do lado, se matou de solidão, abriu o gás o coita­do, o último gás do bojão, porque ninguém lhe queria, ninguém lhe dava atenção, porque ninguém lhe abria, as portas do coração, levou com ele seu louro, e o gato de estimação”.

Tem a segunda parte, com um final demais, veja só: “Num velho papel de embrulho, deixou um bilhete seu, dizendo que se matava, já cansado de viver, embaixo assinava Alfredo, mas ninguém sabe do quê…”

“O filho que eu quero ter” também tem uma história linda e ela aconteceu em Recife. Tenho um CD deles, no qual Toquinho conta que estavam em temporada pelo Nordeste e, num hotel à beira-mar, comentou com Vinicius seu desejo de ter um filho. Até havia feito uma melodia sem letra, que estava no gravador.

Toquinho até brincou: “Gente, naquele tempo o gravador era do tamanho de um tijolão”. E riu. Vinicius não gostava de praia e disse ao parceiro: “Toco, vá se divertir com os músicos, deixe-me ver o que posso fazer com sua melodia”. Quando Toquinho voltou, bem mais tarde, encontrou Vinicius em prantos, que abraçando seu parceiro, disse: “Veja se ficou bom”.

Aí o choro foi dos dois, o poeta vestiu de poesia a música do amigo, bem da maneira que sonhava. Vinicius escreveu como se estivesse escrevendo para um filho seu, ele embarcou nos sonhos do amigo. Isso pra quem compõe é simplesmente fantástico, por isso que se chama parceria. Você que costuma ler meus causos, ouça também essa música, vale muito a pena.

Sexta conto mais.

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