Por Guilherme Sobota
Uma das histórias mais marcantes do cinema ganha vida em um novo trabalho de David Fincher, diretor de Se7en – Os Sete Crimes Capitais (1995), O Curioso Caso de Benjamin Button (2008) e A Rede Social (2010). Mank – estreia do dia 4 de dezembro na Netflix e em cinemas selecionados – conta a feitura do roteiro de Cidadão Kane, o filme de Orson Welles frequentemente considerado um dos melhores, se não o melhor, da sétima arte, e cujo único Oscar foi atribuído ao texto.
O novo filme é focado em Herman J. Mankiewicz (1897-1953), vivido aqui em outra atuação poderosa de Gary Oldman, roteirista contratado por Welles para escrever um filme que buscaria apreender a compreensão dos Estados Unidos da América por meio de uma figura muito poderosa do sistema capitalista que já caminhava para ser o maior do mundo.
O escolhido acabou sendo William Randolph Hearst, barão da mídia com o qual Mankiewicz – um escritor de fala fácil, hábitos pouco saudáveis e de um charme rígido, mas sedutor, se for possível acreditar no retrato feito no filme – manteve relações cordiais. Até que a bebida e o ciclo de desilusões característico de muitas boas histórias de Hollywood o afastaram do magnata e o empurraram para o ostracismo.
A essa altura, Mank já era roteirista de sucesso, conhecido por filmes como Jantar às Oito (1933, de George Cukor) e Man of the World (1931, de Richard Wallace), bem como por contribuições a clássicos como O Mágico de Oz (1939, de Victor Fleming). Na época com incríveis 25 anos e uma carta-branca de Hollywood, Welles (interpretado no filme pelo ator britânico Tom Burke) sabia que precisava do toque daquele escritor em seu novo filme
A relação que começa com amizade e admiração aos poucos vai tomando outros rumos, mas grande parte do filme é apresentada em flashbacks da vida do roteirista, especialmente dos seus contatos com Hearst e sua amante, Marion Davies (no grande papel da carreira de Amanda Seyfried até aqui). O roteiro de Mank foi escrito pelo pai do diretor, Jack Fincher, morto em 2003 aos 72 anos, no seu único crédito no cinema. A atriz Lily Collins – estrela do sucesso da Netflix Emily em Paris – também faz um papel importante no filme, como a secretária de Mankiewicz, a desconhecida Rita Alexander.
O Estadão conversou com a atriz sobre a experiência:
O novo filme de David Fincher – seu primeiro desde Garota Exemplar (2014), e seu trabalho seguinte à elogiada série Mindhunter (2017-2019) -, Mank, já está sendo comentado pela imprensa americana como um dos principais concorrentes ao Oscar 2021, inclusive nas categorias principais, com sua produção luxuosa e quadro em preto e branco. Fotografado por Erik Messerschmidt (parceiro de Fincher nos projetos anteriores), o filme captura influências do diretor de fotografia de Cidadão Kane, Gregg Toland, e usa uma câmera de sensores monocromáticos em 8K desenvolvida especialmente para o filme.
Outra pessoa que está em um ótimo momento na sua carreira é Lily Collins – a atriz britânica, filha de Phil Collins e estrela da série da Netflix Emily em Paris. Em Mank, ela vive uma personagem pouco conhecida, mas fundamental para o desenvolvimento do filme, a secretária Rita Alexander. Herman J. Mankiewicz, àquela altura impossibilitado de se sentar à máquina, precisa ditar o roteiro de Cidadão Kane para alguém – no filme, ela chega a sugerir direcionamentos para a história, mas cumpre um papel importante na vida do personagem principal em outros aspectos.
“Eu amo a Era de Ouro de Hollywood, estrelas de cinema antigas, estive no Hearst Castle”, conta Collins em entrevista ao Estadão por videoconferência. “Pensava que sabia muito sobre isso, mas aí li esse roteiro e conheci esse personagem, Mankiewicz. Então, conversando com David (Fincher) e Gary (Oldman) e pesquisando, fui entendendo como a minha personagem desempenha um papel central na história.” A atriz tem formação em jornalismo, e Cidadão Kane fez parte da sua educação em cinema. “Descobrir e agora poder contar a história por trás da história foi realmente fascinante.”
Trabalhar com duas grandes estrelas do cinema – Fincher e Oldman – também foi uma nova aventura em sua carreira, que agora começa a tomar contornos estelares por si mesma. “David me falava o tempo todo para ficar parada, tentar expressar emoções com poucos movimentos, o que não quer dizer parecer chata”, conta. “Porque a Emily (da série ‘Emily em Paris’) é muito estridente, bem o oposto disso”, compara.
Emily em Paris se tornou o grande sucesso da Netflix em 2020, e a atriz acredita que a série pode oferecer momentos divertidos em meio à situação complicada do mundo. “Alguém me disse esses dias que assistindo à série se lembrou de como era se divertir.. É algo muito louco estar numa posição em que se é necessário lembrar disso, mas eu entendo.”
E Gary Oldman? “Meu Deus, ele é realmente um ser humano generoso Como ator, ele sempre oferece algo novo. A performance dele é cheia de camadas e nuances, e todas as vezes ele faz as coisas diferentes. Nós rimos o tempo todo no set, mas com o ‘ação’ ele voltava na hora a ser Mank. Eu pensava: ‘como vou pegar um pouquinho desse talento para mim?’.” E conseguiu? “Bom, tentei ficar à altura da ocasião, tentei não desapontar ninguém”, ri.
Nessa altura da entrevista, Collins é brevemente interrompida por seu cachorrinho, Redford. “Ele está meio irritado que a mamãe está fazendo tantos Zooms”, desculpa-se.
O colunista do The New York Times Kyle Buchanan apostou num artigo recente que Mank pode amealhar o mesmo número de indicações para o Oscar que Cidadão Kane, nove. Mas, diferentemente do filme que o inspirou, pode levar mais do que a única estatueta do clássico de Orson Welles. “Em uma temporada de premiações reduzidas devido à pandemia, ele parece ter grande potencial para abocanhar prêmios”, escreveu. Muita pressão para Collins? “Nossa! Nem me dei conta. Mas, quando você vai fazer um filme de David Fincher, sabe que vai sair algo muito bom. É muito emocionante ser parte de algo ao qual as pessoas estão respondendo.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.