Nosso presidente, que tem desorientado até quem pretenda se orientar por sua palavra reitora, porque presidencial, tem dito tantas e tantas, que mostra uma linha admirável de coerência, como alienação, e como ameaça aos valores e as instituições democráticas, quando não a algum país, como essa anti-penúltima declaração – “quando acaba a saliva, tem a pólvora”, confrontando os Estados Unidos de Biden. “Tudo menos o ridículo”, aconselha Fernando Pessoa.
A penúltima dele foi declarar para o mundo que o Brasil é um “País de Maricas”. Seguramente, não faltou o troco característico da calçada infantil: “Maricas é a mãe”. Só que o mundo gargalhou. Mas, a colocação dessa declaração presidencial no nível da infância indignada é tão irresponsável, quanto ela própria, já que se trata do ocupante do cargo político mais elevado do sistema democrático do país, com sua representatividade, seu rito e sua simbologia.
Há quem se entregue à fidelidade ideológica ou meramente política, envergonhado de se envergonhar com tamanho desatino, e sai declarando que estupidez é, sim,entretanto, vê-se nela a expressão singela de alguém que é muito simples de alma e de espírito. Um boquirroto sincero pode parecer.
No entanto, seu ímpeto de perseguição à imprensa é a afronta de quem o critica ou lhe é contrário, revela o que pensa e projeta essa personalidade real, que emagreceu os órgãos de fiscalização ambiental, que na ONU culpou os índios e os caboclos pela devastação amazônica, que se declara como anticiência, antiuniversidade, que desorientou o país taxando de “gripezinha” o surto mundial de covid-19, e que agora desestimula o sistema de vacinação, ignorando que até o sarampo está de volta.
Mas, tem ainda o inusitado de fazer do Palácio do Planalto o bunker de defesa de sua família. É o que revela a noticia de 21/11 do Correio Brasiliense, via Agencia Estadão: “O presidente Jair Bolsonaro conversou por cerca de duas horas nesta sexta-feira, 20, com o corregedor-geral do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), desembargador Bernardo Moreira Garcez Neto. O magistrado é integrante do Órgão Especial do tribunal, o mesmo que vai decidir se aceita ou não a denúncia contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos). O filho ‘Zero Um’ do presidente é acusado de comandar um esquema de ‘rachadinha’ em seu gabinete da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), quando era deputado estadual”.
E prossegue a noticia: “Em 25 de agosto, Bolsonaro também recebeu advogados do filho Flávio no Planalto. Sem registro na agenda oficial, o encontro teve a participação do ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno e do diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem. Em nota, o GSI afirmou que o objetivo da reunião foi debater supostas ‘irregularidades das informações constantes de Relatórios de Investigação Fiscal’ produzidas por órgãos federais contra o filho”.
A única contribuição dessa visita é mostrar o tamanho da justiça, que tem o seu tamanho. O desembargador até se escondeu atrás de uma pilastra, para evitar a imprensa, diz a noticia.
Agora, o presidente, em plena celebração do “Dia da Consciência Negra”, procura usar o método desviante de seu discurso político para não dar à realidade do ato-fato a expressão simbólica que representa, no caso, a descarga elétrica da maldade, que mancha a história do Brasil com a escravidão esparramada, por aproximadamente cinco séculos.
“Não existe uma cor de pele melhor que a outra”. Mas existe uma cor de pele cuja exploração histórica não acabou, na pauta da discriminação do negro, da mulher, de grupos minoritários da sociedade brasileira. Ele diz nada achando dizer tudo. Atrás dessa declaração o que impera, primeiramente, é a ignorância da formação étnica do Brasil e o respeito devido às vitimas da tortura massiva, que se destacam nos milhões que morreram, e milhões que se sucedem no processo “in” civilizatório do país, que até hoje não foi capaz de resgatar esse passivo social. A fonte dessa tosca palavra é a brutalidade continuada sobre uma raiz que se aprofunda, mais e mais, na alma da nacionalidade.
Entranha-se, sem razão, essa declaração destampada, já que a vida do presidente jamais deixou de louvar a tortura política, ou a pregação de uma guerra civil, se chegasse à presidência, na qual mataria trinta mil, sob o pretexto de inaugurar com sangue a salvação do país. Este mesmo país, que ele está desossando, vendendo rapidamente o que pode,dizendo que a ditadura militar foi benéfica à restauração democrática. Não esconde a sua ligação umbilical com o maior torturador brasileiro, já falecido.
Cultivemos a irmandade afro-brasileira, como irmandade. E também porque ela está na confluência de nossa formação étnica, misturada, natural e criativamente, na cultura, nas artes, no esporte e na vida da social do país, fazendo e esperando com que esse patrimônio comum converta-se, efetivamente, em armas contra os muros da discriminação e da imobilidade de seus descendentes, para elevá-los ao patamar da igualdade.
É uma questão de justiça histórica e nós parecemos querer continuar a viver “com o preconceito de que não temos preconceito”, ressaltado mesmo com o choque elétrico da morte de João Alberto Silveira Freitas,no supermercado lá de Porto Alegre, que trouxe ao olhar televisivo e aos ouvidos descansados, o mero sinal do que acontece diariamente no Brasil, contra negros, mestiços e pardos, como preferentes da violência, que mata ou que prende.
Sempre é bom recordar e repetir, sempre, o cântico do fascismo espanhol, já que ele serve de parâmetro para se compreender a mentalidade vigorante do racismo estrutural e compreender a opinião de qualquer pessoa e também a do chefe de plantão:
“Abaixo a inteligência! Viva a morte!”.