Especial: Cristiano Pavini
O Fundão Eleitoral está concentrado nas mãos de poucos candidatos a vereador em Ribeirão Preto. Ao todo, R$ 692 mil em recursos públicos já foram distribuídos para 126 concorrentes ao Legislativo local. Entretanto, 16 campanhas foram agraciadas com R$ 546 mil, o equivalente a R$ 4,00 em cada R$ 5,00 do total.
A maioria dos “reis do fundão” é formada por homens, brancos e vereadores que concorrem à reeleição. Ou seja: recursos públicos vão para campanhas já consolidadas, sem espaço para renovação, e não observando a diversidade racial e de gênero.
A análise foi feita pelo jornalista Cristiano Pavini do site de jornalismo independente Farolete (www.farolete.info) junto às declarações de receitas enviadas pelos candidatos à Justiça Eleitoral até 3 de novembro. Os dados são atualizados diariamente.
O Fundão Eleitoral foi aprovado pelo Congresso para compensar a proibição, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), das doações de empresas para campanhas eleitorais. Em 2020, aproximadamente R$ 2 bilhões de recursos públicos foram distribuídos para 33 partidos, proporcionalmente à bancada na Câmara Federal e Senado. Apenas Novo e PRTB abriram mão. São os dirigentes partidários quem decidem como repassar aos candidatos em todo o país.
Dos R$ 692 mil do Fundão Eleitoral que entraram na conta de candidatos ao Legislativo em Ribeirão Preto, 80% ficaram com homens e 83% com brancos. A distribuição é desproporcional à realidade de candidaturas: dos 558 concorrentes à cadeira de vereador aptos na disputa na cidade (excluindo os indeferidos ou desistentes), 67% são homens e 68% são brancos.
Dos 16 que lideram o ranking e receberam acima de R$ 10 mil, 11 são parlamentares que buscam a reeleição. O campeão até o momento é Isaac Antunes (PL), que busca a reeleição e recebeu R$ 77 mil do partido, do qual é presidente do diretório municipal.
Isaac é réu na Justiça Eleitoral, acusado pelo Ministério Público de ter se associado a um grupo criminoso nas eleições de 2016 para propaganda antecipada e compra de votos em troca de “limpar” o nome de eleitores com crédito negativado. Ele sempre negou irregularidades. A ação penal eleitoral está tramitando e, por não ter sido condenado, não há impedimento para sua candidatura.
O partido que mais usufruiu do Fundo Eleitoral para as campanhas ao Legislativo em Ribeirão, até agora, foi o MDB: R$ 160 mil, igualmente distribuídos entre Marinho Sampaio, Igor Oliveira, Waldyr Villela e Alessandro Maraca, todos vereadores candidatos à reeleição. Nenhum outro candidato da legenda recebeu a verba.
O PSL, segundo partido que mais utilizou o Fundão no Legislativo em Ribeirão, repassou R$ 50,3 mil para Paulo Modas (que concorre à reeleição) e igual quantia para Caio Abraham (atual presidente em exercício do diretório municipal). Outros 29 candidatos do PSL receberam, cada um, apenas R$ 322.
A reportagem questionou a assessoria de Isaac Antunes, presidente local do PL e candidato que mais recebeu recursos do Fundão, e de Marinho Sampaio, presidente do MDB, partido que mais foi agraciado com a verba, sobre os critérios para a divisão interna. Nenhum dos dois respondeu até a publicação desta reportagem.
Os recursos do Fundo Eleitoral contabilizados na reportagem incluem doações, pelos diretórios partidários, de material de campanha para os candidatos (como santinhos e adesivos), mas que foram confeccionados com dinheiro público.
Prefeitura
Na campanha para o Executivo, Cris Bezerra (MDB) lidera no uso do Fundão Eleitoral: R$ 726 mil recebidos até 3 de novembro. Em seguida vem Duarte Nogueira (PSDB) com R$ 600 mil, Suely Vilela (PSB) com R$ 407.960,00, Antonio Alberto Machado (PT) R$ 154.187,61, Fernando Chiarelli (Patriotas) R$ 150 mil, Wanderlei Caixe (PCdoB) R$ 21.772,05, Mauro Inácio (Psol) R$ 10.453,07 e Emilson Roveri R$ 2 mil.
Análise
Segundo Beatriz Rodrigues Sanchez, doutoranda em Ciência Política pela USP e pesquisadora do Núcleo Democracia e Ação Coletiva do Cebrap, “o Fundo eleitoral foi criado com o objetivo de diminuir as desigualdades econômicas entre os candidatos nas eleições”. Ela explica que, “por se tratar de um tipo de financiamento público, ele pretende diminuir a influência do poder econômico privado nas campanhas”.
“A concentração do fundo eleitoral nas mãos de poucos candidatos desvirtua o próprio sentido de sua criação. Em vez de gerar maior igualdade econômica entre os candidatos, ao repassar o fundo eleitoral para algumas poucas candidaturas os partidos acabam reproduzindo formas de exclusão política, principalmente contra mulheres e pessoas negras”, critica Beatriz.
Informada sobre o cenário em Ribeirão Preto, ela afirmou que “o fato de a maioria dos recursos ser destinada para homens brancos revela o machismo e o racismo institucional dos partidos políticos brasileiros”.
Segundo o Superior Tribunal Eleitoral (TSE), ao menos 30% dos recursos do Fundão Eleitoral devem ter candidatas mulheres como destinatárias. Já o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que os partidos também devem observar a representatividade racial.
Guilherme Paiva Corrêa, advogado especializado em Direito Eleitoral, explica que para a distribuição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC, conhecido como Fundão), “a proporção de candidatos será calculada em função do total nacional de candidatos”. Ou seja: não há obrigatoriedade dos diretórios distribuíram os recursos observando a proporção de mulheres e negros candidatos em cada cidade.