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O senhor juiz estuprou Mariana pela segunda vez

O assunto da semana foi o “estupro culposo”, inovação jurídica aceita sem corar de vergonha pelo Ministério Público de Santa Ca­tarina que pediu o arquivamento do caso Mariana Ferrer, violentada pelo empresário André Aranha, pedido aceito pelo juiz Rudson Mat­tos.Todo este filme de terror acaba se encaixando perfeitamente bem nesta sociedade em que vivemos, e ao lembramoso que o dirigente máximo deste país disse da tribuna do Congresso para uma adversá­ria política: “Não a estupro porque você não merece, você é feia.”

Em pleno espaço do Poder Judiciário, Mariana Ferrer encon­trou “doutores da lei” que, ao arrepio da própria Lei, do bom senso e da decência, distorceram tudo, transformaram – como é próprio do machismo irresponsável e criminoso – a vítima em acusada. E criaram, cinismo máximo, a esdrúxula figura jurídica do “estupro culposo”, sem intenção de estuprar, aberração inexistente no Código Penal. Não queremos aqui fazer discussão jurídica. Queremos sim ir na veia, desvendar as articulações hipócritas e até religiosas de uma sociedade doente.

A reação da jovem blogueira é um dos apelos mais desesperados que o Direito brasileiro já produziu em toda a sua história. “Excelen­tíssimo, estou implorando por respeito. Nem acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada”. O juiz a tudo assistiu, dócil e silen­cioso, como outra personagem grotesca dessa farsa. Não moveu uma palha para impedir um crime de assédio e agressão na sua frente. Um segundo estupro, sem a menor sombra de dúvida. Não podemos nos calar diante dessa barbárie.

Não deixa de existir um componente religioso em toda essa história macabra. A cultura do estupro é uma das piores mazelas de nossa sociedade e está intimamente ligada à subserviência femini­na imposta por grupos religiosos durante séculos. A ideia de que mulheres devem servir a seus maridos, inclusive sexualmente, pas­mem, ainda é defendida por muitos líderes religiosos, fazendo uma interpretação rasa e descabida do texto que julgam de inspiração divina. Estes mesmos setores se alinham a essa coisa odienta a que chamamos bolsonarismo.

Para muitos desses líderes religiosos, o corpo da mulher pertence ao marido, numa leitura literal e perversa de um texto bíblico pra lá de desatualizado, principalmente na sua leitura, como bem nos lem­bra Zé Barbosa Júnior, teólogo e pastor da Comunidade Cristã da Lapa. Para ele, “a cultura do estupro passa, infeliz e invariavelmente, pela cultura patriarcal e o machismo que durante séculos foram le­gitimados pela cristianismo no Brasil. Existem vários cristianismos, mas grande parte deles ainda é machista, misógino e patriarcal.”

Imaginemos o que passou pela cabeça do pai e da mãe de Ma­riana ao assistirem as cenas da audiência com a filha. Dor, revolta, desolação, desesperança. Quem suportaria ver sua filha ser espe­zinhada por “homens de bem” (guardem bem essa expressão) cuja missão é fazer cumprir a lei. Mariana estava numa sala de audiência em busca da justiça que merecia encontrar e onde o desfecho não podia ser outro que não a condenação exemplar do seu algoz. Mas encontrou algozes piores que o mauricinho que se diverte violentan­do mulheres.

A Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) já abriu um processo para investigar o juiz Rudson. O ministro do STF Gilmar Mendes chamou as cenas da audiência de “estarrecedoras”. Senadores como Fabiano Contarato (Rede-ES) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE) entraram com representação no CNJ sobre o caso que, na Câmara, mereceu reações fortes de vários outros parlamentares.A reper­cussão alcançou o mundo inteiro, como não poderia deixar de ser. Acompanhemos. Este caso terá ainda outros desdobramentos.

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