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Histórias de velórios

Meu currículo de velórios é uma capivara, mas, faz alguns anos que deixei de frequentá-los por vários motivos. Porém, teve uma época que até roda de samba a gente fazia para atender o desejo de quem estava indo para o subsolo ou por pedido da família.

Aqui em Ribeirão Preto, num tempo não tão distante, velórios eram aquela coisa discreta, um ou outro destoava do tradicional, mas de velório de sambista participei de muitos. E olha que era aquela alegria, muita gente do meio comparecia e já entrava no samba.

No velório de meu filho Lucas pedi ao Júlio Cesar, um dos fundadores do Grupo Sambô, e Markin Pantanal para tocarem no cavaquinho e violão “Pedacinho do céu”, música maravilhosa de Waldir Azevedo e que Lucas adorava tocar com eles. Lembro­-me deles tocando, Lucas fazia contra cantos no piano.

No velório do sambista carioca e meu ídolo João Nogueira, além de 300 litros de chope, muito samba e muita alegria, acon­teceu um fato cheio de humor contado pelo cantor e composi­tor Luiz Airão. Ele era constantemente confundido com João Nogueira, e o mesmo acontecia com o sósia. Pois bem, Airão estava indo para velório do João e fez uma conversão errada que foi flagrada pelo guarda de trânsito.

A autoridade deu sinal de parada e, ao se aproximar, o agente policial viu que era um artista, e rindo mandou essa: “Até tu, hein, seu João Nogueira!!!” Luiz Airão não perdeu o tom e argu­mentou: “Tu tá me tirando, né, seu guarda? Tá me confundindo, parceiro, eu sou mais bonito, além do mais, estou indo pro veló­rio dele”. O guarda liberou-o e Luiz Airão chegou ao samba-veló­rio contando mais essa.

O desejo de João Nogueira era de que seu corpo fosse cre­mado e suas cinzas jogadas do alto do morro, segundo conta seu filho Diogo Nogueira, que antes desse ato colocou um pouco nas mãos e esfregou em seus braços. Queria que um pouco do pai ficasse impregnado nele.

Zeca Pagodinho, numa entrevista ao Programa do Jô, lamen­tou que não se faz mais velórios como antigamente, quando uma grande festa acontecia. Citou o velório de uma tia, de seu pai e outros parentes. Mesmo depois do enterro, a cervejada continua­va de casa em casa.

Quando o sambista Fumaça morreu fomos lá fazer uma roda de samba, era seu desejo. Era um negão muito simpático, seu sorriso largo realçava seus dentes branquinhos, parecia um te­clado de piano. Bem casado, esposa gente fina, dois filhos… Mas Fumaça era um homem de muitos amores, e sua patroa muito recatada sabia de suas puladas de cerca, mas não se importava até porque em casa ele era exemplo, comparecia.

Ela não ia aos nossos sambas. Ele, por sua vez, um dia levava uma amante, outro dia a outra… Elas dividiam o garanhão numa boa. No velório, as duas choravam de um lado do caixão e do outro, a mulher, filhos e parentes. Lembro-me que cantávamos “Argumento”, samba de Paulinho da Viola, seu artista preferido, quando, de repente, entra no salão um mulherão…

Linda, vestido de muito bom gosto, luvas, bolsa de grife, chapéu fino com aquele véu no rosto, sapatos de salto, andar charmoso… Não teve quem não olhou. Quando as amantes perceberam sua presença, partiram pra cima da bonitona e foi o maior sururu, o pau quebrou, paramos o samba bem naquele pedaço “Mas não me altere o samba tanto assim…”

Tratamos de proteger nossos instrumentos, flores voavam pra tudo que é lado, aquelas manjadas coroas de flores davam rasantes nas nossas cabeças, até que resgataram a bonitona, que entrou num carrão e vazou. A paz voltou ao pedaço e, com violão na mão, me aproximei do caixão e disse… “Fumaça, seu malandro, essa bonitona a gente não conhecia!!!” Senti ter visto em seu rosto um sorriso maroto como a me dizer: “Buenão, é chato ser gostoso…”

Sexta conto mais.

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