O grande risco de uma inflação provocada pelos alimentos é a rápida contaminação para outros preços. Assim como os combustíveis, os alimentos são preços de referência. Isto é, funcionam como uma espécie de indexador informal de outros preços e, por isso, contribuem para disseminar pressões altistas para as cotações dos demais produtos e serviços.
Em maio deste ano, menos da metade (45%) de todos os preços do Índice de Preços ao Consumidor Amplo – 15 (IPCA-15) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresentava alta. Seis meses depois, em outubro, quase dois terços dos preços (64%) capturados pelo indicador estavam subindo. Essa medida que avalia a fatia de preços em alta no índice de inflação como um todo é conhecida no jargão econômico como índice de difusão.
“A alta persistente dos preços dos alimentos está se difundindo no IPCA adentro”, alerta o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fabio Bentes. Na sua avaliação, esse é um grande risco. “Costumamos dizer que o alimento funciona quase como uma tarifa, isto é, as famílias dificilmente conseguem driblar essa alta de preços, que acaba se espalhando para outros preços da economia.”
Para a analista econômica Zeina Latif, os indicadores de inflação foram muito contaminados pela covid-19 e estavam artificialmente baixos. “A cesta do IPCA não estava refletindo um novo padrão de consumo. O que a gente observa é a pressão cambial aos poucos aparecendo”, ressalta.
Ela destaca também que o repasse dos preços no atacado estava baixo e começa a aparecer um pouco mais. “Há um potencial grande para aumento de produtos industrializados, em função do que está acontecendo no atacado. Quando a gente pega os bens finais no IPA (Índice de Preços do Atacado), tira combustível, produtos in natura, também estamos falando de uma variação de dois dígitos.”
Os dez subgrupos de produtos e serviços que registraram as maiores altas de preços nos últimos seis meses foram os mais demandados pelo consumidor. Juntos subiram em média 5,80% no varejo, resultado equivalente a quatro vezes a inflação geral do período, medida pelo IPCA-15, que foi de 1,35%.
O levantamento mostra que o subgrupo que reúne TV, aparelhos de som e itens de informática foi o que teve a maior alta de preços Entre maio e outubro, eles foram majorados em quase 18%. Bentes optou por fazer a análise a partir de maio porque logo no início da pandemia as empresas tinham estoque e o impacto da maior procura nos preços não seria tão evidente.
O segundo subgrupo com a maior alta de preço também está relacionado com a moradia, foi de eletrodomésticos e equipamentos (8,88%), seguido por joias e bijuterias (7,2%). Móveis e eletrodomésticos foi o segmento cuja venda disparou com a pandemia e, na sequência, material de construção.
A comida no domicílio foi o quarto subgrupo com maior alta de preços no período, com elevação de 6,62%, diz o estudo. Entre os dez itens com maiores reajustes, oito eram alimentos. O limão lidera a lista (129,7%), seguido pelo óleo de soja (54%), arroz (42,6%). Mas também aparecem tijolo (28,7%) e vinho (25,5%).
Apesar de a alimentação não ser o subgrupo cujos preços mais subiram no período, essa é a cesta que provoca o maior estrago no orçamento das famílias e na inflação como um todo. “A sensação de mal estar causada pela inflação dos alimentos nos últimos meses é muito maior do que alta de preços da TV, som e artigos de informática”, diz o economista. É que o consumo de comida não pode ser adiado, independentemente da falta de renda. E pesa mais no bolso dos mais pobres.