Tribuna Ribeirão
Artigos

Virtudes para um novo tempo

Tempos de turbulência, tempos nervosos, ciclo do medo, paisagens mortuárias e locupletadas de doentes, aqui, ali e nas lonjuras do planeta. Hora da grande reflexão: o que tenho, o que sou e o que serei nesse novo mundo que ainda não mostrou de todo a cara? A reflexão de hoje é uma estreita vereda por onde podemos passar, sob a crença de que todo esforço se fará necessário para lapidarmos valores e virtudes ou mesmo tentarmos adquiri-las.

E não podemos perder tempo. Sêneca, o sábio, ao escrever sobre a brevidade da vida, ensina: “Não é curto o tempo que temos, mas dele muito perdemos. A vida é suficientemente longa e com generosidade nos foi dada, para a realização das maiores coisas, se a empregamos bem. Mas quando ela se esvai no luxo e na indiferença, quando não a empre­gamos em nada de bom, então, finalmente, constrangidos pela fatalida­de, sentimos que ela já passou por nós sem que tivéssemos percebido”.

Saber administrar o tempo é, hoje, um dos desafios instigantes do nosso cotidiano. O tempo não se mata. “Quem mata tempo é suicida”, satirizava Millôr Fernandes. A reprimenda parte também do dramaturgo inglês H.D. Thoreau: “Como se fosse possível matar o tempo sem ferir a eternidade”.

Mãos à obra. Tempos de prudência, que os estóicos consideravam “a ciência das coisas a fazer e a não fazer”, e que supõe o risco, a incerteza, o acaso, o desconhecido. André-Comte Sponville lembra bem, quando diz que a prudência sugere a ética da convicção ou, ainda, a ética da respon­sabilidade, nos termos de Max Weber. Somos impelidos a responder por nossos atos e por suas consequências.

Ao lado da prudência, impõe-se a virtude da moderação, tão impor­tante nesses tempos agressivos que estamos presenciando. Não exagerar, não romper os limites de nossas identidades, desfrutar livremente da pró­pria liberdade, contentar-se com pouco ou com o estritamente necessário, sem arroubos e extravagâncias que acabam roubando nosso estoque de bom senso. Já a intemperança, dizia Montaigne, é “a peste da volúpia”.

Tempos de pavonice, tempos de alta visibilidade, de desfiles canhes­tros na mídia para chamar a atenção de espectadores e ouvintes. Tempos de Luís XIV, que desfilava em Versailles em seu cavalo branco adornado de diamantes. Tempos do Estado-Espetáculo, onde atores e atrizes da política desfilam vaidades. Daí desponta o valor da humildade, que Sponville designa como “a virtude do homem que sabe não ser Deus”. Humildade, de “húmus” (terra), quer significar que somos filhos da ter­ra. Os mais generosos costumam ser os mais humildes pela misericórdia e compaixão de seu caráter.

Tempos de dureza, de notícias tristes, pesadelos, ódio, com os opostos se matando nas arenas de vingança. Não é hora de criarmos um contraponto a esses tempos de desdita e maldição? Leiamos Ítalo Calvino em Seis Propostas para o Próximo Milênio, ao citar Leopardo ante o insustentável peso de viver: “imagens de extrema leveza, como os pássaros, a voz de uma mulher que canta na janela, a transparência do ar e, sobretudo, a lua”. Tentemos viver de modo mais leve, suave, evitando rompantes e atitudes tresloucadas.

Tempos de injustiça, de acusações malévolas, de fake news cons­truídas para sujar a imagem de adversários. Então, busquemos a deusa Têmis, com sua balança e os dois pratos em equilíbrio, apontam para o estado da ordem e da igualdade. Dizia Kant: “é justa toda ação, cuja máxima permite que a livre vontade de qualquer um coexista com a liberdade de qualquer outro, segundo uma lei universal”. Sim, a justiça é a vontade de se atribuir a cada um o que lhe cabe.

Uma virtude leva à outra. A justiça se liga aos atos de boa fé, à sinceridade, à verdade. A boa fé suscita reconhecimento às qualidades humanas, sem exageros, na versão das Escrituras: nem um homem é capaz de acrescentar um palmo à sua altura. É o que é, nos moldes da construção divina. Tal verdade sugere afastar a gabolice, o estilo fanfar­rão, a dissimulação, a arte de enganar. Todos devemos aspirar fidelidade ao que é verdadeiro.

Por fim, cultivar o amor. Amar o próximo deve significar praticar todos os deveres para com ele. Amar os entes queridos, praticar boas ações, eliminar eventuais doses de ódio que chegam nas ondas de inten­sa polarização política. Nietzsche anunciava: “o que fazemos por amor se consuma além do bem e do mal”.

Postagens relacionadas

Eudóxia de Barros e um piano sob as árvores

William Teodoro

Irmãos na mesma escola? É meu direito?

William Teodoro

Os forcados portugueses

Redação 1

Utilizamos cookies para melhorar a sua experiência no site. Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Política de Privacidade. Aceitar Política de Privacidade

Social Media Auto Publish Powered By : XYZScripts.com