Por Marcius Azevedo e Raphael Ramos
A imagem dos jogadores do Los Angeles Lakers ajoelhados e com os braços entrelaçados com a palavra “vote” nas camisas durante o hino nas finais da NBA correu o mundo. LeBron James, astro do atual campeão da liga americana de basquete, e outros atletas importantes, como Patrick Mahomes e DeAndre Hopkins, ambos do futebol americano, se uniram no movimento “More Than A Vote” (Mais do que um Voto, em tradução livre), provocando forte impacto na eleição presidencial dos Estados Unidos, que ocorre na próxima terça-feira, entre Donald Trump e Joe Biden.
A iniciativa surgiu na esteira dos protestos antirracistas que ganharam as ruas dos Estados Unidos e da criação do movimento “Black Lives Matter” (Vidas Negras Importam) após os assassinatos de George Floyd e Breonna Taylor, ambos negros, por policiais brancos. A organização tem como principal objetivo apoiar e conscientizar os eleitores negros.
A ideia é alcançar o maior número de pessoas em comunidades negras e incentivar que elas compareçam às urnas. “Muitos de nós simplesmente pensamos que nosso voto não conta. Foi isso que nos ensinaram, foi assim que fomos educados, foi assim que sempre nos sentimos. Mas eu quero dar a todos a informação correta, quero que todos saibam o quanto podem ser importantes”, afirmou LeBron, em entrevista ao The New York Times.
Com o esforço do astro dos Lakers, 10 mil pessoas se ofereceram para atuar como voluntários nas cidades de Cleveland (Ohio), Detroit (Michigan) e Filadélfia (Pensilvânia), localizadas em estados considerados fundamentais para que Biden possa superar Trump. A falta de efetivo na eleição sempre foi um problema nas comunidades negras, o que se agravou ainda mais por causa da pandemia do novo coronavírus.
Diversos vídeos foram divulgados pelas redes sociais nos últimos meses e se intensificaram nesta semana. A proposta, segundo o “More Than A Vote”, é esclarecer notícias falsas que possam inibir os negros de irem votar. O movimento também ganhou espaço na NBA, com uma campanha realizada pelos jogadores com autorização da liga. O ex-presidente Barack Obama e diversos campeões surgiram de maneira virtual ao lado da quadra no Jogo 1 das finais entre Lakers e Miami Heat para falar da importância do voto.
Para o professor Carlos Gustavo Poggio, doutor em relações internacionais e especialista em política dos Estados Unidos, há dois lados nesta história. Ao mesmo tempo em que isso pode incentivar os negros, principalmente jovens, também pode gerar uma resposta das pessoas que são favoráveis ao atual governo de Trump.
“Espera-se que o eleitor mais jovem possa ser atingido, particularmente o negro, que não comparece em grande número às urnas nos Estados Unidos. Em 2018, na eleição de meio de mandato (legislativo), já existiu um movimento grande de artistas (neste mesmo sentido) e registrou-se um alto comparecimento”, explicou. “Mas a polarização tende a ter impacto nos dois lados. Li recentemente uma matéria no The New York Times sobre um motorista de caminhão que não costumava votar, mas está incomodado com esta situação e agora vai com o Trump.”
Um exemplo do aspecto negativo da manifestação política dos atletas, segundo Poggio, foi notado pela queda da audiência da NBA. Após um período de paralisação por causa da covid-19, a temporada foi retomada na “bolha” da Disney, em Orlando, e todos puderam utilizar mensagens em suas camisetas. A equipe do Milwaukee Bucks chegou a boicotar um jogo dos playoffs após Jacob Blake, um homem negro, receber sete tiros pelas costas em uma ação da polícia de Wisconsin.
“Você corre o risco de afastar aqueles que não coadunam com o tipo de política que está sendo defendida. Houve uma queda da audiência e deve ter relação com o fato de uma parcela importante da sociedade americana apoiar o Trump. E, mesmo que não apoie, rejeita manifestações políticas no esporte.”
Professor de Economia e Finanças do Insper e professor-convidado da Universidade do Texas em San Antonio, Alan Ghani cita o mesmo exemplo da audiência da NBA ao ser questionado sobre o motivo de os atletas americanos serem mais engajados do que os brasileiros nas questões políticas.
“O atleta dos EUA tem uma passagem pela universidade. Em um ambiente universitário, entre jovens, há discussão política. Talvez isso seja a explicação para que eles se sintam mais confortáveis em dar opinião. Uma segunda hipótese, talvez, o público no Brasil não gosta muito desta politização em tudo. O camarada quer ver o Neymar ou outro jogador marcar o gol. Mas, mesmo nos Estados Unidos, existem pessoas que querem ver o jogo de basquete e não o LeBron discursar sobre Black Lives Matter. Foi a pior audiência da NBA, o que parece ser um indício de que uma parte da população cansou desta politização da vida”, afirmou.
Ghani vê os atletas seduzidos por uma narrativa que, segundo ele, não condiz com a realidade dos fatos. “De um tempo para cá percebemos uma politização muito grande no show business. E quando falo do show business, estou falando do cinema, da televisão e do esporte. Hoje, com esta polarização no esporte, tudo se torna uma narrativa política, onde pouco importa os fatos e sim como vamos narrá-los. Dentro disso, o show business, historicamente, é mais identificado com a esquerda. No caso da NBA, isso ganha ainda mais força no episódio do George Floyd. Esses atletas acabam se engajando sem um conhecimento profundo do que está acontecendo, mas são seduzidos por esta narrativa. O discurso da esquerda anti-Trump é muito forte e seduziu uma boa parte dos atletas”.
Lucas Leite, professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), não concorda com esta afirmação Para ele, os atletas entenderam sua força para modificar um cenário que, muitas deles, conviveram antes de se tornarem astros. É o caso, por exemplo, de LeBron.
“É uma situação que não é nova, mas nesta eleição ganhou uma proporção maior por causa do movimento de atletas que se ajoelharam para a bandeira (durante o hino). Tem uma relação forte com a questão racial, com o movimento Black Lives Matter, com o racismo estrutural nos Estados Unidos. A questão da violência policial, da falta de oportunidades, situações que afetam muito mais os negros. Os atletas, percebendo sua capacidade de capilarização em relação à sociedade, afetar o voto, influenciar no processo, foram importantes. Estamos falando de figuras reconhecidas positivamente, como o LeBron.”
LeBron tem uma participação bastante ativa nesta eleição, muito mais do que na anterior, quando também fez campanha para Hillary Clinton há quatro anos. O astro dos Lakers há muito bate de frente com Trump, que sempre condena o comportamento dos atletas O primeiro caso (e o mais emblemático) foi o do então quarterback do San Francisco 49ers Colin Kaepernick, que permaneceu ajoelhado durante o hino em protesto à onda de racismo e mortes de negros por policiais nos EUA em 2016. Ele nunca mais assinou com uma equipe, sendo banido informalmente da NFL.
Depois disso, outros jogadores repetiram o gesto e foram criticados por Trump. Não à toa, muitos recusaram o convite para visitar a Casa Branca, o que sempre foi um sinal de reconhecimento aos times vencedores das principais ligas dos Estados Unidos. Em episódio emblemático em 2018, Stephen Curry, principal estrela do Golden State Warriors, avisou que não iria e o presidente “desconvidou” o time campeão da NBA.
“A recusa em visitar Trump é simbólica, uma forma de demonstrar repúdio”, explica Lucas Leite. “Ele (Trump) não faz política em termos tradicionais. Quando ele percebe esta movimentações (dos atletas) toma como algo pessoal. Ele confunde esfera política com particular. Isso faz parte do espetáculo. O Trump trabalha a partir da lógica do palco.”
Trump também teve um desentendimento com Megan Rapinoe, capitã da seleção americana feminina de futebol e reconhecida ativista da causa LGBT. “Não irei à m… da Casa Branca”, disse a jogadora ao ser questionada antes do Mundial de 2019.
Na competição, ela não cantou o hino em nenhuma partida. O presidente afirmou que ela primeiro tinha de ganhar o torneio e depois reclamar. A resposta foi dada em campo, com gol na vitória diante da Holanda na final, e um discurso contra o racismo e a homofobia ao ser eleita a melhor do mundo pela Fifa. O time americano não pisou na Casa Branca.
Recentemente, Trump criticou novamente os atos antirracistas dos atletas da NBA, citando o fato de a audiência ter sido a pior dos últimos anos nos Estados Unidos. “O ato de se ajoelhar tem sido horrível para o basquete. As pessoas estão bravas com isso”, afirmou o presidente, em entrevista à Fox.
E atacou novamente ao ser questionado sobre os comentários de LeBron nas redes sociais. “Eu não percebi que eles me criticaram Mas eu não ficaria surpreso. Existem alguns jogadores muito, muito nojentos e francamente muito burros.”
Atualmente no Tampa Bay Buccaneers, Tom Brady, seis vezes campeão do Super Bowl pelo New England Patriots, é um dos atletas da liga de futebol americano que apoiam publicamente Trump. O quarterback, no entanto, por problemas pessoais, não foi à Casa Branca quando sua equipe visitou o presidente. Outros atletas e times repetiram o gesto nos últimos anos, embora tenham quem compareceu normalmente à tradicional cerimônia.
Para Lucas Leite, poucos atletas vão apoiar publicamente Trump nesta reta final da eleição. “Na última eleição, isso aconteceu. O que percebemos agora é que só os mais convictos têm feito isso de uma maneira mais explícita. A conexão com o Trump pode significar uma perda de capital simbólico, pode afetar a imagem dos atletas e, no mundo atual, em que isso é muito importante, pode gerar perda de patrocinadores. Por isso, os atletas estão se afastando do Trump neste momento.”